As formiguinhas do Quintal
@Judo Magazine |CR – 28 de maio de 2020 |Rota da Bandeira da Ética
Por detrás da certificação com a Bandeira da Ética do IPDJ há todo um trabalho estruturado com funções bem definidas para a implementação da estratégia relacionada com a ética no desporto.
No ano passado estive em Gonçalo. Uma freguesia do concelho da Guarda que se assume como a Capital da Cestaria. Fui acolhido na área central da localidade por artesãos e por representantes da autarquia local. Gente laboriosa e com profundo sentido das relações humanas. Acontece que desde que estabeleci contato com a secção de judo do GRG – Grupo Recreativo Gonçalvinhense (com sede em Quintal do Campo-Mafra) não consigo desligar as duas terras. Pelo Gonçal que têm de comum e pelas formas de agir das pessoas envolvidas que revelam corações gigantes. A Bandeira da Ética, mais uma vez, serviu para irmos ao encontro dos pequenos tesouros que o judo esconde nos seus clubes e associações.
Quem só valoriza a escala, as dinâmicas de grande amplitude e de elevada notoriedade, não sabe o que perde. Veja-se que para um tema tão exigente como é o da ética no desporto a resposta a questões fundamentais como a a estrutura e a base organizativa para desenvolver uma estratégia, no GRG encontrámos uma solução avançada. Para além de uma dinâmica instalada que abarca globalmente a atividade do clube encontramos duas funções específicas: a de Representante para os Encarregados de Educação e o Responsável pela Ética no Desporto. Fomos ao encontro dessas duas áreas de atuação ouvindo diretamente os protagonistas: Bruno Rosa e João Silva.
Bruno Rosa: uma relação dinâmica entre academia e prática local
“A minha relação com a ética desportiva começou quando eu próprio me iniciei como praticante de Karaté aos 7 anos e de Judo aos 16. Sendo ambas artes marciais e desportos de combate de proveniência japonesa, a dimensão axiológica destas está bem patente nos seus ritos e simbologias, as quais são reforçadas nos códigos, máximas e princípios que são explicitados sob diferentes formas e ensinados, desde o primeiro momento, a quem se inicia nestas práticas.
Referências académicas
A minha experiência nestas modalidades determinou e facilitou a escolha do desporto como área académica a estudar e como área profissional de dedicação. Tendo particular interesse pela área da pedagogia, por um lado, e da gestão desportiva, por outro, encontrei no campo académico da ética no desporto a possibilidade de juntar, de forma transversal, estes dois âmbitos: da ética do praticante, associada à dimensão pedagógica do treino, à ética institucional, associada ao posicionamento do clube como agente comunitário.
O judo considerado numa orientação mais educativa
Assim, tendo desenvolvido algum trabalho académico na área e dinamizado alguns projetos relacionados com a promoção da ética desportiva nalgumas das instituições por onde fui passando ao longo dos anos, encontrei no Grupo Recreativo Gonçalvinhense – clube ao qual me vinculo em 2009 e que hoje é, sem dúvida, a minha casa desportiva, mesmo treinando muito menos do que desejaria – um amigo e um Mestre especial que, além de me dar espaço para que alguns recursos, ações e atividades fossem desenvolvidos, estava também ele próprio motivado e vocacionado para reforçar esta orientação mais educativa que, convém não esquecer, é fundamentora do Judo enquanto prática humana.
Defender os interesses de todos
Considero que foi por este trajeto conjunto, esta empatia, esta responsabilidade partilhada e, sobretudo, esta motivação e este compromisso entre o Paulo Nogueira e eu próprio que, em 2017, aquando da primeira atribuição da Bandeira da ética à secção de Judo, formalizámos a criação deste cargo de responsável pela ética desportiva do Grupo Recreativo Gonçalvinhense, o qual muito me honra e satisfaz e relativamente ao qual procuro responder o melhor possível, sempre no superior interesse dos praticantes, das suas famílias e da comunidade em que o clube se insere.
Contribuir para o bem comum
Parafraseando Jigoro Kano, “máxima eficácia benefícios mútuos”, ou aquilo que fazes, fá-lo bem e que contribua para o bem comum. E é tão só isto que tentamos fazer no nosso clube através das diferentes ações e atividades que realizamos ou recursos que produzimos, nas quais procuramos ir sempre mais além do que os limites físicos do tatami”.
Bruno Rosa desenhou um quadro maduro e consistente de uma espécie de coligação estratégica em torno da ética no desporto. Esta abordagem sai ainda mais reforçada quando é ilustrada por práticas concretas que João Silva nos trouxe de forma muito direta:
João Silva: uma formiguinha que faz cantar as cigarras
“Em 2008, o meu filho iniciou a prática da modalidade com o Professor Paulo Nogueira. Era uma criança irrequieta, com uma energia transbordante e na sua primeira aula fiquei pasmado ao ver que o miúdo conseguia manter-se sentado no tatami, sem se mexer. Passou o tempo muito atento e no final perguntou se poderia voltar. Assim nasceu uma paixão, que por arrasto, levou os pais e o irmão mais novo para o judo em 2015.
De acompanhante a colaborador
O fato de ter de acompanhar os meus filhos aos treinos, sendo eles de escalões etários diferentes (Benjamin e Cadetes), obriga-me a passar muitas horas no clube. De forma natural, enquanto se espera, vai-se dando “dois dedos de conversa” com os outros encarregados de educação geralmente também pais de atletas. Já lá vão 12 anos de acompanhamento e de vivência de judo neste contexto. É muito frequente que os restantes pais coloquem dúvidas idênticas às que eu próprio tive no início da minha relação com a modalidade. Porque é que aquele miúdo tem um fato azul? Porque é que o atleta tem um dorsal? A partir de que idade podem entrar em competição? Estas, e outras perguntas, carecem de respostas e eu cá estou para colaborar.
Um projeto de educação
O Professor Paulo Nogueira tem desenvolvido a secção de Judo de uma forma contagiante e excecional pois, para além de potenciar os valores desportivos, também contribui para a educação das nossas crianças, transmitindo valores fundamentais para a formação pessoal e social desses jovens que serão o nosso futuro amanhã. Por acreditar no projeto do Professor Paulo Nogueira, por contar com a ajuda do Bruno Rosa, por atender à vontade da Direção do Clube e por conhecer a massa humana “família do Judo GRG” aceitei em 2017 ser o Representantes dos Encarregados de Educação da secção de Judo do Grupo Recreativo Gonçalvinhense.
Um elo de ligação
As minhas funções são basicamente transmitir informação de foro desportivo ou social aos pais e, em sentido inverso, recolher sugestões ou dúvidas dos pais transmitindo-as à direção técnica. Consistem ainda em organizar, quando tal é possível, eventos sociais no sentido de estreitar laços de amizade entre atletas e familiares. A título de exemplo, por sugestão de algumas mães, realizámos um Workshop de cozinha no qual cerca de 30 atletas, novos e mais velhos, aprenderam a fazer sopa de legumes e uma pizza. Com a preciosa colaboração dos pais conseguimos também realizar o almoço da amizade no qual comparecerem cerca de 200 pessoas. Outra tarefa consiste em acompanhar e transportar alguns atletas a provas, treinos ou outras atividades. No âmbito da logística por ocasião de eventos desportivos ou formativos, é o caso do torneio de judo GRG (o nosso Clinic para treinadores), também são envolvidos alguns encarregados de educação na sua organização.
Para terminar atrevo-me a dizer que os encarregados de educação são fundamentais para o sucesso do projeto que visa formar os jovens enquanto pessoas, e quem sabe grandes atletas”.
O anúncio da bandeira
“Foi com agrado que recebemos hoje um ofício da Federação Portuguesa de Judo com a lista de clubes já certificado com a Bandeira da Ética por parte do Plano Nacional de Ética no Desporto, levado a cabo a cabo pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P.. Desta forma, formaliza-se a real importância da atribuição desta distinção aos clubes de Judo que, cumprindo os requisitos determinados para uma prática desportiva consentânea com os princípios e valores da modalidade, se focam na formação pessoal e social dos praticantes, das suas famílias e comunidade onde se inserem.
Parabéns a todos!”
Fotos © GRG – Grupo Recreativo Gonçalvinhense – Judo | editadas JM