O território da suavidade
@ Judo Magazine | Dossiê – Os novos territórios do Judo | 7 de julho 2020
Miguel Galhardas | Federação Portuguesa de Judo
Na grande referência d’A Arte da Guerra, Sun Tzu diz que o terreno é um dos factores a considerar para alcançarmos a vitória, pelo que devemos levar o adversário a combater num terreno que para ele seja desconhecido e, dessa forma, combatermos em vantagem para o derrotar. Neste período que atravessamos fomos levados a combater num terreno que desconhecíamos por completo.
Mas aqui entra toda a experiência de todos os combates que travámos antes. No Judo sempre controlámos apenas 50% das variáveis, do outro lado sempre tivemos o outro que tudo faz para nos levar à derrota. O nosso caminho nunca foi linear, os obstáculos estão sempre presentes e acreditamos que, mesmo perante o cenário mais negro, o nosso triunfo é possível.
O Princípio da suavidade
Preferimos antecipar os ataques, mas perante o COVID-19 isso não foi possível. Fomos atacados e tivemos de ser rápidos a reagir. De imediato os clubes fecharam, como se uma força superior nos tivesse empurrado para casa. Cedendo a esta força superior, seguimos o princípio da suavidade e para casa fomos, ninguém ficou na rua a resistir. Na mente está sempre presente também o princípio da máxima eficiência da nossa energia e foi através da internet que a canalizámos de múltiplas formas.
Aulas inéditas
A rapidez com que o corpo e a nossa mente têm de reagir num combate faz com que não se perca tempo e energias perante um forte ataque, a solução está sempre na velocidade de reação. Em menos de uma semana, tivemos professores a fazer aulas em direto no Facebook, algo inédito num terreno desconhecido, mas, desta forma, acabámos por ter ganhos e não foram poucos.
As aulas no Facebook fizeram com que:
- miúdos que não faziam judo tivessem o seu primeiro contacto;
- que outros regressassem à prática da modalidade;
- que os pais se envolvessem e, por vezes, participassem mesmo nas actividades percebendo na pele como os seus filhos vivem o judo;
- que os professores pudessem ver o trabalho dos seus pares e aprender como cada um trabalha ou o caminho que cada um encontrou para passar uma técnica.
Trocas de conhecimento
Através do Zoom as aulas permitiram aos professores ver também os alunos e corrigir movimentos.
No Instagram multiplicaram-se as lives, permitindo que muitos ouvissem importantes referências do Judo falar de temas extremamente diversos.
As formações online também fizeram com que países se unissem e trocassem conhecimento. Muitos professores aproveitaram e, certamente, estão agora mais munidos para quando voltarem implementarem novas ideias e processos.
A FIJ atenta
Criaram-se inclusive competições internacionais online, numa delas envolvendo uma das maiores referências mundiais do Judo, o brasileiro Tiago Camilo (medalhado olímpico em 2000 e 2008 e Campeão do Mundo em 2007); jogos interativos e fichas escolares de português e matemática para o 1ºciclo.
Esta rápida reação foi mesmo reconhecida pela mais alta instituição do Judo, a Federação Internacional de Judo agradeceu a contribuição das recomendações da Federação Portuguesa de Judo para a elaboração dos seus protocolos para a retoma de atividades.
Preparar o regresso pleno
Claro que também tivemos e vamos ter perdas, adoramos estar no tapete e apesar de pouco a pouco estarmos a voltar, o verão ainda vai obrigar a nova interrupção na grande maioria dos clubes, para não falar nas escolas e colégios que interromperam as aulas em março e só em setembro, alguns outubro, é que voltarão a ter atividade (ainda não sabemos com que medidas de segurança). Mas estamos com tempo para preparar esse regresso e também há clubes que se juntaram para criar materiais de promoção de qualidade, que traduzem o trabalho que desenvolvem com os mais novos e as qualidades que o Judo promove na formação destes.
Aprender uns com os outros
Toda esta realidade, e a forma como o Judo reagiu, representa na perfeição as mais valias do Judo na sociedade. Qualquer que seja o futuro profissional dos jovens judocas, eles vão aprender que os obstáculos fazem parte do caminho e não vão desistir perante o primeiro, nem perante o segundo; vão aprender que perante uma força maior, o melhor é não resistir e canalizar as energias na criação de outro caminho mais eficiente; vão saber que temos todos a aprender uns com os outros, valorizando a diversidade na sociedade.
Resumindo, convidamos todos os pais a verem, através do Judo, os seus filhos a crescer, absorvendo todas estas capacidades e a transformarem-se em cidadãos e profissionais de referência.
© foto Miguel Galhardas | FPJ