Inteligência emocional no alto rendimento no judo
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Estratégia, tática e técnica: a importância da inteligência emocional num contexto de alto rendimento no judo.
Por: Tiago Silva Mestre no Ensino da educação física e desporto escolar pela Faculdade de Motricidade Humana. Doutorando da Faculdade de Motricidade Humana. Professor Assistente convidado do ISCPSI Professor Assistente Convidado da Faculdade de Motricidade Humana (Judo) Treinador de alto rendimento de Judo – grau III.
EQUADRAMENTO PROBLEMATIZAÇÃO |
António Damásio| L.Lourenço | Kets de Vries | Inner Theatre |Razão | Emoção |Decisão | Daniel Goleman | Inteligência emocional. Sem as emoções, não conseguimos decidir, uma vez que a perda da carga afectiva condiciona o que nos traz bem-estar ou sucesso. |
É recorrente ouvirmos da parte de muitos comentadores e analistas, dentro de muitas modalidades, a observação ter a cabeça fria!. Ou seja, uma análise a partir da qual teríamos mais proveito na definição ou realização de determinadas tarefas se formos mais razão e menos emoção.
Razão e emoção
Se é verdade que um nível muito elevado de activação emocional traz transformações comportamentais relevantes, basta lembrarmo-nos do descontrolo de alguns atletas por elevados níveis de ansiedade, por outro lado, investigações como as do neurocientista português António Damásio também nos demonstram que a sua ausência (emoções) pode, também ela, ser dramática (Lourenço, L. 2017).
Decisão e emoção
Este mesmo autor lembrava a importância de estudos como os de Kets de Vries, na questão do processo decisório. O autor francófono falava-nos daquilo a que ele chamou um Teatro Interno (Inner Theatre), explicando que de cada vez que vamos tomar uma decisão nos projectamos no nosso próprio futuro através desse teatro interno. Essa decisão, que passa pela nossa capacidade de antecipação de determinados cenários, demonstra claramente que sem as emoções, não conseguimos decidir, uma vez que a perda da carga afectiva condiciona o que nos traz bem-estar ou sucesso.
Razão, emoção e integração
Daniel Goleman, já nos anos 90, abordara a teoria das duas mentes: uma que pensa, que se ocupa da razão e outra que sente, que se ocupa das emoções. Se por inteligência entendemos a capacidade de resolver problemas num curto espaço de tempo, por Inteligência Emocional estabelecemos que seja a capacidade consciente de podermos lidar com as nossas emoções e com as dos outros, dando-lhes sentido e aproveitando-as eficazmente, não de forma isolada, mas conjugada com a razão (Goleman, 1996).
INTELIGÊNCIA CONTEXTUAL |
Contexto | Jorge Jesus | Pedro Passos | Tática | Dualidade | Complementaridade | Técnica | Um mesmo treinador ou atleta pode ser muitíssimo bem-sucedido num contexto e fracassar num outro |
Claro que para um Treinador ou um qualquer líder emergente, num qualquer contexto, o domínio das habilidades emocionais, bem como uma capacidade de reflexão por si só parecem não chegar. Por isso mesmo importa perceber e avaliar a inteligência contextual. Tudo poderá depender fortemente do momento presente que ele vive e do próprio contexto. Um mesmo treinador ou atleta pode ser muitíssimo bem-sucedido num contexto e fracassar num outro.
Jesus e o seu contexto
Veja-se por exemplo na forma como Jorge Jesus se adaptou ao contexto do Flamengo, emergiu num cenário inicial negativo (em termos da desconfiança dos Media, colegas Treinadores e até alguns jogadores), que suspeitavam ou duvidavam das suas capacidades para implementar a sua ideia de jogo no Brasil. Em apenas 13 meses tornou-se num dos treinadores mais bem-sucedidos do histórico Carioca. De situação para situação, a liderança dele emergiu de acordo com o grau de adequação ao tempo vivido “ao contexto, adequando o seu estilo operacional às necessidades da organização e às condições exteriores.” Em outros contextos, o “mesmo” Jorge Jesus, fracassou.
Dualidade treino técnico, treino táctico
No outro dia ouvia do Prof. Pedro Passos (Investigador da Faculdade de Motricidade Humana e treinador de Rugby) o seguinte comentário: “Tirem ideias. É importante pesquisarem muito, mas não as copiem. Se fizermos exatamente igual aos outros, na melhor das hipóteses teremos os mesmos resultados”. Quando entramos em temas como Táctica e Técnica importa ouvir com muita atenção o que o Prof. Passos tem a dizer a jovens treinadores na casa dos vinte e poucos anos a emergir no panorama nacional. Um homem que reúne o conhecimento académico, criatividade e o questionamento constante sobre os processos do treino. “Ninguém consegue separar um treino técnico de um treino táctico. Esta dualidade entre treino técnico e tático tem décadas e vai continuar a ter nas próximas décadas e nunca ninguém vai chegar a conclusão nenhuma. A minha perspetiva é que têm uma relação complementar.” E vamo-nos debruçar sobre a simplicidade da sua explicação “A técnica é um instrumento que cada atleta têm à sua disposição para resolver problemas de ordem táctica”. É rigorosamente assim!
O JUDO E A CONTEXTUALIZAÇÃO |
Aproximação ao contexto | José Mourinho | Estratégia | Conduzir um combate Às vezes basta um olhar ou um gesto do treinador para modificar um comportamento do atleta |
Aproximação ao contexto que o atleta vai viver na competição
Claro que alguns dir-me-ão, que é mais fácil fazer essa contextualização se estivermos a falar de um Desporto Colectivo! Será mesmo assim? Veja-se por exemplo a nossa modalidade – o Judo. Ainda no outro dia respondia a dois alunos que um exercício no treino: “por ser mais táctico, não quer dizer que seja menos técnico ou até metabólico. Ou aproximo ao máximo do contexto que o atleta vai viver na competição, ou não serve.” Concluí explicando que nessa ideia não há propriamente nada de novo, José Mourinho anda a falar nisso há quase 20 anos. Relembrando que podemos considerar (Estratégia) como um plano global, aquilo que é montado pelo treinador e atleta para um combate. (Táctica) por outro lado, é uma forma de lidar como os problemas imediatos que vão surgindo durante o combate. Até na forma como se “conduz” o combate e os problemas que vão sendo vivenciados pelo atleta no tapete convém ter sempre presente, o não descontextualizar. Não nos esqueçamos que o Treinador são mais dois olhos a ver o combate e que este “até vê coisas que o atleta não vê, mas convém não esquecer que o atleta também sente coisas que o Treinador não sente”.
Informação táctica e emocional no tempo do mate
Existe uma escola de Treinadores de renome, nomeadamente nos desportos colectivos, sobretudo do basquetebol que dá primazia à instrução somente táctica e objectiva. Ou seja quanto mais sintética, mais cumpre o objectivo, afim de ser bem recebida (sem filtros) pelo atleta, com intuito de modificar um comportamento ou, pelo contrário, de sublinha-lo; estou convencido de que num desporto como o Judo, em que a efetividade das ações e o sucesso do resultado final depende apenas da decisão dos dois atletas, a informação dada pelo treinador no curtíssimo tempo do (mate), pode ser dividida em duas dimensões distintas: uma, sim, de natureza táctica e a outra, lá está, de carácter emocional, uma vez que só tenho um atleta a receber essa mesma informação. Quando se consegue dosear estas duas dimensões na “perfeição”, bem como solidificar o canal afectivo com os nossos atletas – a magia pode então acontecer. Às vezes basta um olhar ou um gesto, para modificar um comportamento, que irá mexer com tantos níveis distintos do combate: desde o seu ritmo, ofensividade, cautela ou até passividade, castigos, etc.
TREINADOR E TREINO |
Metodologia | Mesociclos | Liderança | Tolerância láctica | Lactatémia | Parametrização da Força | Limiar Anaeróbio O Treinador acaba por ter de dominar várias áreas do Treino como: metodologia, prescrição de exercício, fisiologia, nutrição, biomecânica, psicologia. |
O dia-a-dia no tapete não é fácil e o treinador deverá ter uma paixão inabalável pelo seu trabalho. Sobretudo uma crença absoluta na metodologia implementada. O Treinador acaba por ter de dominar várias áreas do Treino como: metodologia, prescrição de exercício, fisiologia, nutrição, biomecânica, psicologia, etc. Um dos objectivos iniciais, será fazer com que os atletas sigam a sua liderança, fazendo o grupo acreditar precisamente nessas ideias e na sua forma de trabalhar. E reparem como não foi inocente, que ignorei a ideia de “fazer impor a liderança”. Ninguém gosta de trabalhar assim, as pessoas apenas seguem o que as inspira e o que demonstra profissionalismo. Muito poucas vezes as águas agitadas da autocracia.
Não descontextualizar significa
Alguns dos temas que fomos falando em cima, têm de fazer parte das rotinas do Treino:
Não descontextualizar é por exemplo não permitir que um atleta treine, em todos os mesociclos, com o mesmo “excesso” de peso. Se a dada altura o atleta estiver acima dos 5% do peso corporal, a performance e o resultado serão seguramente comprometidos. Não descontextualizar é perceber como um atleta reage no trabalho de tolerância láctica sobretudo com parte desse trabalho mais próximo do peso com que ele vai competir. Não descontextualizar é perceber o ciclo de lactatémia do atleta. Se após meses e meses de preparação, o atleta ao final de 20 a 30 min pós exercício não se aproximar dos valores de repouso, então qualquer coisa falhou na preparação. Não descontextualizar é perceber que o treino em pleno séc. XXI só admite uma avaliação constante da parametrização da Força. É determinante saber em que fase da Periodização se treina: Hipertrofia, Força Máxima, Potência, Resistência de força explosiva, PAP, etc. . bem como, ser coerente entre este trabalho, o trabalho de tapete e das fontes bioenergéticas. Mas não descontextualizar é também, como dizia um aluno meu e muito bem, perceber que o treinador de judo não pode transformar-se numa espécie de preparador físico, substituindo o essencial pelo acessório. Não descontextualizar significa também que numa determinada tarefa, por exemplo de uchi-komi estático, seguido de em movimento, com nage-komi, se pretendemos que o atleta esteja sempre acima do Limiar Anaeróbio, precisamos de avaliar e garantir isso, porque senão corremos o risco de andar numa zona cinzenta e comprometer drasticamente a sua preparação. |
RELAÇÃO COERENTE DO TREINO COM A SITUAÇÃO DE COMBATE |
Tomada de Decisão | Duarte Araújo | ABC | Davids & Araújo | Psicologia ecológica | Não aceitar nunca, que o meu adversário domine a pega e consequentemente estar desconfortável com a minha. |
A perspectiva ecológica tem sido uma das áreas emergentes na investigação ligada à Tomada de Decisão. Um dos maiores especialistas do mundo nessa área é também ele Português e também investigador da FMH – o Prof. Duarte Araújo. Será sempre importante criar condições, em determinadas tarefas, para os atletas perceberem a melhor informação disponibilizada pelo meio para a resolução das mesmas com sucesso.
ABC – Abordagem baseada nos constrangimentos
Mais do que criar condicionalismos formais e expectáveis, uma abordagem como por exemplo a baseada no modelo dos constrangimentos (ABC) surge para explicar como o comportamento perito e habilidoso do atleta muda e evolui sob determinados constrangimentos (Davids & Araújo, 2005). Isso diz-nos muito mais, das possibilidades na organização e gestão do treino, de não artificializá-lo com rotinas enfadonhas que não replicam o que o atleta poderá viver em competição.
Estudo da coordenação
É claro que estes paradigmas servem os propósitos do universo do judo de alto rendimento, porque em outros contextos, no judo, as coisas poderão e deverão ser muito diferentes. Ter por base a psicologia ecológica e a teoria dos sistemas dinâmicos e enfatizar o estudo da coordenação e as mudanças de coordenação do comportamento motor, com o decorrer da evolução da aprendizagem só poderá trazer benefícios. Além destas evidências amplamente estudadas, tem ainda a virtude de procurar também identificar os diferentes constrangimentos à aprendizagem motora e ao comportamento desportivo, tal como sugerem (Davids & Araújo, 2005).
Automatismos
Outro tema sempre polémico: Serão os automatismos ganhos pelo atleta, determinantes no desempenho?
A resposta não é de sim ou não definitivo, eu diria que depende. Atletas com excesso de automatismos tornam-se previsíveis em qualquer desporto. Mas também é verdade, que na hora de definir o plano de combate ou mudar tacitamente uma qualquer pega durante a luta, se determinados automatismos não estão criados, “como que em modo de piloto automático” também não resulta. Ou seja é interessante passar-lhes alguns “instrumentos” no treino, que possibilitam ser fieis a determinados princípios do judo. Uma dessas ideias chaves é fazer com que esses procedimentos técnico-táticos, por exemplo a nível do kumikata (pega de judo), seja o ter sempre mais uma pega que o adversário. Tal como defende (Jimmy Pedro) ”não aceitar nunca, que o meu adversário domine a pega e consequentemente estar desconfortável com a minha”.
Preparar o ataque
Ao mesmo tempo que o nosso atleta procura supremacia da pega, tem que ter bem presente o quebrar a base do adversário, sendo que este é sempre o momento preparatório para cada ataque. Muitos atletas têm ataques fortíssimos, mas que não são consequentes por falta de preparação do mesmo, aqueles milissegundos prévios, decidem o sucesso da acção. Por exemplo numa situação de destro/destro ou esq/esq se eu ganhei por exemplo a pega da manga, o meu objectivo é também não permitir que essa mão dele vá à minha lapela, ao mesmo tempo que eu consigo esta supremacia o quebrar a base, significa que vou por os apoios do meu adversário paralelo ou contrários à sua pega.
Rotinas
Estimular a “ideia simples” nos atletas, que sem estas “rotinas” não têm como ganhar uma luta. Terá que dominar entre tantas coisas, o estabelecer pegas diferentes para o mesmo tokui-waza, como também saber ter ataques diferentes a partir do mesmo kumikata. Tudo isto deverá ser feito o mais próximo possível da realidade do combate.