CRÓNICA |Modelos de desenvolvimento do judoca, mitos e crenças!

Por: Tiago Silva

10.000 hours-rule e Modelos de Desenvolvimento do Judoca a Longo Prazo – mitos e crenças!

JM | 4-09-2020 | Editado | Tiago Silva propõe-nos uma reflexão de fôlego sobre temas estruturantes da modalidade fazendo uma abordagem pedagógica por um lado e o desenvolvendo de aspetos técnicos relevantes por outro, o que nos permite um aprofundamento consistente de vários subtemas. Tiago Silva questiona e apresenta sérias reservas à eficácia do tão sacralizado modelo da Regra das 10.000 horas. Vale a pena acompanhar a argumentação e as hipóteses alternativas que são exploradas. Iremos divulgar o conjunto dos temas abordados na crónica em 4 partes e no final divulgaremos o texto integral no espaço JUDO Magazine Lab:

  • 1- Enquadramento e especialização precoce
  • 2 – The 10,000-hours rule ou o duvidoso número mágico para ser perito
  • 3 – Modelos de Desenvolvimento do Atleta a Longo Prazo
  • 4 – Especialização num desporto, quando começar?

Enquadramento e especialização precoce (1)

No momento em que escrevo esta crónica o país encontra-se atravessado no maior desafio desportivo de que há memória, mergulhado que está numa crise Pandémica que resultou numa grave crise económica. Também sou daqueles que acredita que a Pandemia causada pela Covid-19 não resultou só na criação de novos problemas, mas sim, o trazer à superfície problemas estruturais já sentidos no seio de inúmeras modalidades. O enorme desafio para as federações, estará em salvaguardar o futuro imediato da modalidade, protegendo a formação através de políticas desportivas concretas e pioneiras, cedendo à tentação de salvar apenas o alto rendimento.

Da mesma maneira que todos os pais sentem em relação às politicas educativas, de que precisamos de uma agenda politica para 10 ou 20 anos e independente dos ciclos governativos, também no desporto

precisamos de compromissos sérios que assegurem a formação desportiva e recreativa de milhares e milhares de jovens inseridos em programas de desporto escolar, mas sobretudo na vida dos clubes e que não fiquem reféns da orientação política de Câmaras Municipais ou Secretários de Estado do Desporto.

 Claro que falaremos aqui, talvez por isso também, em Modelos sustentados de desenvolvimento do atleta a longo prazo. Modelos que permitem pensar o judo a longo prazo, desde a iniciação, ao alto rendimento, sem esquecer a aposentadoria do atleta.

E qual é a realidade do judo nacional nesta matéria?

Quais as virtudes desses modelos, suas fragilidades, possibilidade de ser como que um guia de orientação para os inúmeros treinadores da modalidade, ajudando a combater desigualdades sociais e de oportunidades, bem como distâncias geográficas.  Falaremos da quase propagandista da 10.000 hour-rule, seus mitos, suas verdades e o que pertinentemente devemos criticar.

Telma e Jorge Fonseca

Cada vez mais, no desporto, assistimos a fenómenos como os de Telma Monteiro ou Jorge Fonseca, atletas que começaram relativamente tarde a prática da sua modalidade (Judo), atingindo em poucos anos um patamar que lhes permitiu ganhar o reconhecimento internacional.  Fará, então, sentido falarmos numa especialização na modalidade muito cedo? Ou pelo contrário, deverão os nossos jovens adquirir um vastíssimo leque de habilidades motoras, que lhes permitirá no futuro ter mais repostas e padrões motores adquiridos para serem bem-sucedidos num desporto?

Produzir atletas de alto rendimento

Como veremos através de autores como (Côté J. Lidor, 2009. citado por Joel S. Brenner, 2016), num estudo «to sample or to specialize?» em que afirma que Programas de Especialização Precoce são desenhados para “produzir” atletas de alto rendimento e que diametralmente oposta é a visão dos programas com conteúdo diversificado, em que o foco está no long-term respeitando as necessidades das crianças. Ele acrescenta ainda que a diversificação em idades precoces, minimiza o risco de abandono desportivo, solidificando uma relação positiva com o seu desporto, competências de liderança e desenvolvimento da motivação intrínseca.  

Modelos e escolas

Procuraremos também perceber com base numa revisão de literatura, reste o que tem sido escrito sobre a escola Anglo-Saxónica, no que aos Modelos de Desenvolvimento do Atleta a Longo Prazo diz respeito, casos do Long-Term Athletic Development (LTAD) e Long-Term Player Development (LTPD) e mais recentemente o (YPDM) para responder às questões iniciais. Essa pesquisa vai com certeza ajudar-nos a perceber melhor e ajudar a justificar, o aparecimento de resultados tão expressivos como no caso dos “nossos” multi-medalhados: Telma Monteiro e Jorge Fonseca.

Prática deliberada no desporto

Analisaremos aspectos relacionados com o tema Prática Deliberada no Desporto, 10, 000 hour-rules, bem como a própria critica a estas duas visões, e um enquadramento taxonómico para aquisição de determinadas habilidades motoras pelas janelas de treinabilidade.  

No que toca ao universo do Judo em Portugal, a pergunta reveste-se de uma urgência absoluta, uma vez que se continua a pensar num Modelo de Desenvolvimento do Judoca a Longo Prazo

modelo este, que começou a ser pensado há já mais de dez anos, foi desenvolvido recentemente por pessoas com vasta competência na área, como o Bruno Rosa, o Francisco Silva ou o Rui Vieira, já para não falar do contributo inestimável de quase todos os treinadores de 3 gerações do judo em Portugal, que foram convidados a participar nesse documento e que por razões que desconheço não viu a luz do dia. Aliás considero mesmo, o Prof. Bruno Rosa, o recurso que qualquer Federação do mundo não se importaria de ter.

Patamar de élite

A ciência tem vindo a evidenciar aquilo em que instintivamente apostaríamos todos: «que a prática é o que te faz excelente». Muitos autores parecem concordar que é impossível determinar se uma criança se irá envolver num desporto num patamar de Elite, ou se o fará do ponto de vista meramente recreativo e de lazer (R.S. Loyd, 2012). No entanto, também parece ser uma evidencia que a participação em vários desportos trará benefícios para os jovens praticantes, quer do ponto de vista das habilidades físicas, como também sociais e emocionais (Joel S. Brenner, 2016). R.S. Loyd (2012), sugere ainda, que é imperativo que todas as crianças aprendam como e porquê de vários tipos de atividade física, uma vez que os irá preparar para o futuro de qualquer desporto. Há pouco falava da Telma e todos conhecemos um pouco a sua história. Resumidamente podemos aferir que ao final de 4 anos de prática deliberada, portanto aos 18, lutava pela medalha de bronze no Campeonato de Mundo de Juniores e no mesmo ano qualificava-se para a sua primeira olimpíada. E até aos 14, o que andou a fazer este tesouro nacional desportivo? Futebol e Atletismo é a resposta, para além de um considerável número de horas de Educação Física.

Meninos da rua e corredores da Etiópia

Procuraremos de seguida identificar determinados aspectos, que se provaram importantes nesta área de investigação, não é ao acaso que na apresentação do LTPD – Judo (Inglês), há uma clara referência ao autor Ericsson (1993) e asua The 10,000-hour rule. O próprio Rasmus Ankersen, autor do best seller mundial «The Gold Mine Effect. Crack the secrets of High Performance», parece ser um adepto incondicional desta visão de que são precisas 10.000 horas de prática deliberada para nos tornarmos especialistas, numa qualquer actividade. E tal como nos conta Ankersen no seu livro, equivaleria a 2 horas e 44 minutos de prática diária durante 10 anos. Eu que me entusiasmei com alguns “achados” do livro do dinamarquês, não pude deixar de desconfiar do seu entusiasmo. Mesmo falando, como ele nos conta no livro, da experiência dos meninos das ruas do rio de Janeiro que crescem com uma bola nos pés; ou dos corredores de fundo da Etiópia que por falta de estradas, carros, ou autocarros – passam a vida a “transportar-se” a correr, na realidade a questão poderá ser um pouco mais complexa, não podendo ser engavetada numa “simplista” regra de numero de horas.

Próximo tema da crónica: The 10,000-hours rule ou o número mágico para ser perito.

Autor

Tiago Silva Mestre no Ensino da educação física e desporto escolar pela Faculdade de Motricidade Humana. Doutorando da Faculdade de Motricidade Humana. Professor Assistente convidado do ISCPSI Professor Assistente Convidado da Faculdade de Motricidade Humana (Judo) Treinador de alto rendimento de Judo – grau III.

SOBRE O AUTOR | Editor

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