Não é vergonha nenhuma ter dúvidas, vergonhoso é ensinar errado
JM | 24 setembro 2020 |Entrevista com os autores da Aplicação Judokai realizada com a colaboração da Associação de Judo da Região Autónoma da Madeira. As origens de uma iniciativa que concilia tecnologia com saberes técnicos e conhecimento e que valoriza a produção de ferramentas estruturantes para o desenvolvimento da modalidade fora dos grandes círculos. Mérito de uma equipa que estabeleceu critérios de rigor e de elevada qualidade para um produto final que se está a afirmar progressivamente nos meios do judo local, regional, nacional e internacional.
JM – Como surgiu esta ideia de realizar uma APP e como foi amadurecendo a ideia?
A Aplicação Judokai foi uma ideia que surgiu, quando um grupo de judocas madeirenses, em preparação para exames de graduação, buscava informações de como executar as técnicas de forma correta, através de diversas fontes, confrontando treinadores, internet e livros de referência.
Muitas vezes a informação cruzada era contraditória, aumentando a incerteza de quem estaria correto.
A informação procurada e no caso de Nage Waza, por exemplo, era sobre as quatro fases de uma projeção, nomeadamente, Kumikata, Kuzushi, Tsukuri e Kake. A contradição e a incerteza eram muitas das vezes encontradas no Kuzushi (desequilíbrio), onde as diversas fontes se contradiziam.
A frustração foi aumentando ao longo da preparação dos diversos exames e houve uma sensação de dejá-vu, que os levou aos anos 80 e 90, altura em que, pela falta de técnicos qualificados e pela insularidade (leia-se, distância física aos Mestres nacionais), o judo regional não tinha forma de evoluir tecnicamente.
Nos anos 80, o primeiro cinto negro da região, antes de o ser, e por paixão à modalidade, decidiu viajar até ao continente e percorrer os clubes onde se encontravam os Mestres de referência, com o intuito de aprender o Gokyo. Como a informação a receber era imensa, optou por comprar uma máquina de filmar para registar toda esta panóplia de técnicas.
Assim nasceu uma sua outra paixão…a multimédia e o cinema, que o acabou por afastar do Judo durante quase 2 décadas.
Foi aquando do seu regresso à modalidade, que este primeiro cinto negro agora produtor de conteúdos multimédia, e passados 35 anos decidiu voltar a estudar o Judo, fazer mais exames de graduação e que o levou a ter o dejá-vu… da falta de informação. A grande conclusão foi que, mesmo com o acesso à imensa informação online, muita dela era contraditória e mais grave ainda…errada.
Foi então que este judoca, fundador da Eduardo Costa Produções Audiovisuais, (e por curiosidade, foi também fundador do primeiro clube de Judo da Madeira e fundador da Associação de Judo da RAM), desafiou a Associação de Judo da RAM, a gravar todas as técnicas de Judo, em estúdio, em ambiente controlado de luz e som, juntando a qualidade de execução técnica à qualidade de produção multimédia.
JM – Que facilidades e dificuldades foram encontrando e como as superaram?
A maior facilidade que tivemos, foi ter na Madeira, um atleta com as competências técnicas necessárias para garantir a correção da execução técnica, para que os utilizadores da APP, não se sentissem defraudados com a sua aquisição.
César Nicola, 6º Dan, ainda competidor de Shiai, competidor de Katas, treinador de um dos clubes regionais, membro da Conselho Nacional de Graduações e árbitro Continental foi uma clara mais valia para a gravação em estúdio de todas as técnicas de Judo, tendo sido o seu maior crítico aquando da visualização das gravações. Se considerava que a execução técnica não respondia às suas expectativas, repetia até considerar que todos os pormenores necessários estavam registados.
Outra facilidade, foi que o produtor de conteúdos, sendo judoca, sabia exactamente que pormenores deveria captar, onde colocar as diversas câmaras envolvidas…aliás, as dificuldades no estudo referidas anteriormente, tinham sido dele.
A primeira dificuldade encontrada, foi a de encontrar um programador que juntasse numa única plataforma, todas as técnicas de forma atrativa, simples e organizada e que nos fosse fácil explicar que “o Seoi-Nage é um Te-Waza, dentro do Tachi-Waza no Nage-Waza”. A sorte bateu-nos à porta, quando um atleta dos anos 80 e 90, decidiu regressar ao tapete, passados quase 20 anos, com uma competência adicional…era programador informático. Foi fácil convencê-lo a abraçar este projeto e simples de explicar que “o Seoi-Nage é…”
A segunda dificuldade foi de como transmitir os conhecimentos de forma universal. Pensámos em ter a explicação técnica falada em diversos idiomas, mas seria impraticável abranger todos os idiomas do mundo. A solução imaginativa foi a explicação dos pormenores usando lupas, criadas informaticamente no momento da edição e de uma “rosa dos ventos”, para demonstrar os desequilíbrios. Visualmente conseguimos explicar as 4 fases de uma projeção.
A terceira dificuldade, que infelizmente não nos foi possível ultrapassar, foi a questão do financiamento. Um projeto desta dimensão teve muitas despesas associadas, que só com a paixão dos envolvidos, foi possível contornar. Muitas portas foram-nos fechadas neste aspeto. Penso que não tiveram a visão da grandeza deste projeto. Mas o Jita Kyoei, princípio basilar do Judo, prevaleceu.
JM – Que expectativas têm em termos de impacto, ou seja, que grau de utilização prevêem que venha a ocorrer? Em Portugal e noutros países?
Esta aplicação foi lançada nas Stores (Android e IOS), em março de 2020. No início, nas buscas por “judo”, a aplicação nem aparecia; passado um mês estávamos no top 50; passados 4 meses, estávamos em primeiro lugar nas stores e neste momento vamos variando entre o 1º e o 3º lugar, classificação esta que varia semanalmente de acordo com um conjunto de factores (comentários, avaliações, downloads, vendas, etc…)
Temos registados milhares de downloads feitos, nos 5 continentes, com comentários e avaliações muito positivos.
Recentemente fomos contactados pela International Judo Federation (IJF), que avaliou a JUDOKAI como sendo uma aplicação de elevada qualidade, tendo ponderado fazer uma parceria connosco para a sua divulgação. Infelizmente outros valores se levantaram, tendo o processo negocial sido bastante curto. Isto para dizer que outros já nos reconheceram, pessoas e instituições.
O nosso objetivo é melhorar a aplicação, introduzindo uma maior dinâmica e interação com o utilizador, com a colocação de testes de avaliação de conhecimentos e uma criação de lista de favoritos por cores de cintos, podendo o utilizador criar o seu próprio regulamento de graduações, de acordo com as normas de graduação do seu país.
A expetativa inicial está atingida…estar disponível no mundo inteiro, um produto de qualidade.
Aumentar a quantidade de downloads é nossa segunda expetativa. Essa, o tempo o dirá. Afinal, existem 40 milhões de judocas no mundo.
JM – Estão previstas algumas ações de divulgação ou de sensibilização para a instalação da APP?
Esta aplicação já foi divulgada diversas vezes, junto da Federação Portuguesa de Judo, tendo sido oficialmente apresentada aos Orgãos Sociais da FPJ e aos participantes do Campeonato Nacional de Katas 2020, que se realizou na Madeira.
Semanalmente, fazemos campanhas de divulgação nas redes sociais (Facebook, Instagram e Youtube), junto de clubes e associações nacionais e internacionais.
Também já fomos convidados para, em ações de formação online, apresentar a aplicação, formações estas durante o momento COVID.
Sobre a instalação da APP e mesmo sobre a sua utilização, é bastante intuitiva, sendo os procedimentos normais e bem conhecidos por todos, aquando do download de qualquer aplicação.
JM – Admitem que serão os grupos mais jovens da modalidade que a irão utilizar ou pensam que os treinadores vão recorrer a essa ferramenta para desenvolver novas abordagens pedagógicas?
Ninguém nasce ensinado e ninguém morre a saber tudo. Ser cinto negro representa o início da aprendizagem de Judo, não o fim. Dúvidas todos têm e esquecimentos todos temos.
A APP foi desenhada para que qualquer pessoa, de qualquer idade ou graduação a possa consultar para tirar dúvidas, sejam elas para aprender ou para ensinar.
O que pretendemos é que haja uma uniformização no ensino da técnica e que esta seja ensinada e aprendida de forma correta.
Não é vergonha nenhuma ter dúvidas, vergonhoso é ensinar errado.
E com esta APP, podemos tirar dúvidas no dia e na hora. Basta ter o telemóvel ou tablet à mão, ali perto do Dojo… ou em casa…Mitori-Geiko também é treino…
Uma APP feita para jovens judocas dos 4 aos 100 anos, feita por Judocas e para Judocas