05/12/2024

OPINIÃO |Thank you, Mom

Os paradigmas da influência sagrada dos pais no percurso desportivo dos filhos/atletas

JUDO MAGAZINE | 16 outubro 2020 | Opinião | Tiago Silva regressa às páginas da JUDO Magazine com o tema crucial do envolvimento dos pais no desporto e convida-nos através da poesia, de relatos de aulas, de livros, de vídeos e da sua experiência pessoal, na tripla condição de pai, treinador e professor, a uma reflexão sustentada. Com a menção empolgante ao vídeo da Campanha dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (que nós inserimos a partir do YouTube) o autor arrasta-nos pelas emoções para as suas teses e torna o seu argumentário irrefutável. Sim porque com o Thank you, Mom! não há nada a fazer, as mães tornam-se mesmo as nossas heroínas.

Por Tiago Pereira da Silva

Começaremos por invocar o poeta Irlandês William Butler Yeats, num dos seus discursos decisivos sobre o peso e a responsabilidade de educar, advogou que:

“A educação não consiste em encher um balde, mas em acender um fogo”.

Relembrando que cabe aos Pais no exercício da parentalidade educar e não à escola. A escola é importante? Tem um papel decisivo? Sem dúvida! Muitas vezes até por confrontação aos ideais e conteúdos que recebem em casa, mas vamo-nos cingir ao papel que os educadores/pais têm, na sua dimensão psicossocial, no envolvimento dos filhos no desporto. Ao contrário de uma certa tendência, bem à portuguesa, de nos centrarmos nos exemplos aberrantes, em que demasiada pressão dos pais pode correr muito mal, eu vejo, no meu dia a dia, como professor mas sobretudo como treinador, que

na grande maioria das vezes os pais fazem um extraordinário trabalho no envolvimento dos seus filhos no desporto.

Creio que o leitor poderá alinhar comigo na seguinte reflexão – Do mesmo modo que em Portugal já ouvimos diversas vezes o discurso sobre especialização precoce dentro de outra temática (a do inicio da formação desportiva), em que sinto quase sempre um: então e a especialização tardia, que é a meu ver muito mais comum num país com a nossa cultura e atitude desportiva? Também no famoso triângulo desportivo (Pais – Atleta – Treinador) passa-se algo semelhante. Normalmente avilta-se a discussão para a parentalidade negativa. Onde poderemos encontrar um excesso de pressão sobre os resultados desportivos, onde os exemplos do futebol de formação saltam à vista, inundam programas desportivos, sendo o foco de inúmeras reportagens, colocando uma sombra sobre o que é até mais polémico debater:

Os pais podem e devem pressionar, claro está, em doses absolutamente essenciais ao contexto desportivo dos filhos.

Mas já lá iremos!

É para mim óbvio e indissociável, que no caso do futebol, muito do que de nefasto acontece prende-se com a própria cultura desportiva do mesmo.

Os pais no futebol

Em muitos desportos que conheço um pai assistir a um jogo ou competição do filho e chamar nomes aos árbitros, treinadores e até os próprios colegas de seu rebento, seria completamente impensável. Os pais, em certos desportos, pegarem-se à pancada na bancada seria, estou em crer, completamente circunstancial e irrepetível numa década. Mas no futebol é infelizmente tantas vezes um hábito. Muitos se debruçaram a estudar e tentar perceber se os pais (sobretudo o progenitor) o fazem por projectarem nos filhos algum tipo de realização adiada, sonhos que cedo se transformaram em frustrações, ou os que juram ter um CR7 em casa. Por ser comum em Portugal um certo juízo moral, de que muitas vezes os pais estarão a pressionar demais, muitos inibem-se de ter uma presença mais forte no desporto dos seus filhos. É exatamente aqui que procurarei confrontar as inúmeras dúvidas que tenho. 

Três papéis cruzados

Mas neste texto ficará apenas a reflexão de um pai, que é treinador, mas que é também professor. Na assunção destes três papeis há muitas vezes a confirmação diária que apesar de tão distintos, eles se cruzam o tempo todo. E até por brincadeira digo inúmeras vezes: «não sei se o facto de ser professor e treinador faz de mim melhor Pai, mas a Paternidade deu-me outra sensibilidade no trato pessoal com alunos e atletas».

Tal como considerou o Prof. Dr. Sidónio Serpa, provavelmente o investigador português da área da Psicologia do Deporto que mais se debruçou sobre este tema,

os pais e os treinadores são as figuras que mais influenciam o comportamento do atleta nas várias fases da carreira.

Lembro-me de estar no excelente e saudoso Mestrado de Psicologia do Desporto da Faculdade de Motricidade Humana, em que muito por insistência do Prof. Sidónio tivemos a sorte de contar com palestrantes e professores convidados de toda a parte do mundo, conhecendo assim aquilo que de melhor se fazia no alto rendimento em países tão diferentes como: Espanha, Brasil, EUA ou China.

Dados inacreditáveis

A dada altura, a propósito do velho chavão com que os Psicólogos Desportivos brincam imenso de que

se queres ser campeão Olímpico, escolhe os teus Pais!

um dos Prof. convidados mostrava dados absolutamente inacreditáveis e talvez pouco prováveis para o comum dos mortais sobre, perdoem-me o anglicismo: The role of the Parent Factor.

Em síntese, analisando uma série de atletas excepcionais de várias modalidades, dos que ganham mais vezes e durante mais tempo na carreira, o psicólogo lançava uma luz importante à discussão, que de todas as variáveis analisadas que influenciaram a ascensão destes atletas investigados, repito de variadíssimas modalidades,

os únicos dois factores comuns a todos eles são: (1) uma grande paixão naquilo que fazem e (2) o envolvimento dos pais.

Alguns estarão lembrados do brilhante spot publicitário dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 de homenagem às mães.

As mães, factor decisivo

Para quem não conhece valerá muito a pena ver (Thank You Mom’ Campaign Ad: “Best Job” London 2012 Olympic Games). A pretexto da proximidade do evento, o COI encontrou uma mensagem simples que homenageia as milhares e milhares de mães dos atletas olímpicos. Logo nos segundos iniciais vemos várias mães a acordar os filhos logo pela manhã para a rotina do treino nas suas cidades: desde um bairro chique em Londres, a uma favela no Rio de Janeiro, ou na cidade de Tóquio, o pequeno vídeo pretende demonstrar que independentemente do desporto, da classe social ou do local do mundo de onde é proveniente a criança desportista, no caminho para o alto rendimento o envolvimento dos pais (neste caso as mães), no dia-a-dia a assistir aos treinos, nas idas às competições, entre milhares horas de afecto e disponibilidade de tempo – é o factor que poderá ser decisivo. No final do vídeo vemos esses mesmos adolescentes e crianças já na concretização do seu sonho Olímpico, perante o sorriso iluminado de suas mães na bancada.

Thank you, Mom

Essa parece ser também a opinião do investigador e autor do conceituado livro The Gold Mine Effect Rasmus Ankersen, cuja abordagem menos convencional e consensual subscrevo inteiramente. Entre outras coisas Rasmus, mergulhou sobre esta temática do The Parent Factor.

«Se passarmos um dia a estudar sobre as jogadoras de Ténis Russas ou as Golfistas Sul-Coreana, em todas elas encontraremos um apetite competitivo voraz, o testarem os seus próprios limites e um extremo apoio dos pais».

Lá está, o que falávamos em cima. Rasmus chega mesmo a considerar que se afastássemos os pais desta equação não teríamos quaisquer tenistas russas ou golfistas coreanas de top mundial.

O autor tem muitas dúvidas sobre a precipitação que alguns parecem demonstrar acerca dos Pais que demonstram como que uma visão egoísta de se querem sentir realizados através do sucesso dos filhos. E claro que é uma observação polémica. Mas Rasmus está bem ciente de que a fronteira pode ser bastante ténue, como nos recorda o autor: “os pais que às vezes os criticam, também são aqueles que muitas vezes lhes dizem – filho segue o teu coração. Mas se os pais dessem sempre ouvidos simplesmente ao que eles querem fazer, alguns adolescentes, escolheriam para si, ficar sentados à frente da Playstation.” Ninguém é atingido por um relâmpago um dia e acorda sabendo que paixão o move. Ankersen continua sublinhando: “há uma tendência a acharmos que a paixão desencadeia perseverança. Mas na verdade pode dar-se exatamente ao contrário”. Aliás no judo há imensos exemplos disso.

Christa Degushi

Quando nos lembramos da atleta Campeã do Mundo de Judo, Christa Deguchi (japonesa naturalizada canadiana), que por insistência do pai começou a fazer judo muito contrariada aos 4 anos.

“Na realidade eu no início odiava o Judo. Demorou algum tempo até eu perceber que era a minha paixão.”

Hoje em dia, para além de ser das atletas mais empolgantes da actualidade, vemos poucas atletas a disfrutar tanto da competição como ela disfruta. Ou quando vemos a história de Nomura, o único tricampeão Olímpico da história da nossa modalidade, percebemos que dificilmente sem a estrutura do pai teria lá chegado. O japonês depois de toda a contrariedade em se encontrar nos percentis de crescimento em relação aos rapazes da sua idade, teria definitivamente largado o Judo. Veja-se também Jimmy Pedro, que nas suas próprias palavras deve quase tudo o que é ao pai, o mesmo que quase o levou a desistir de tanto exigir. E porque não também, a triunfante e ainda curtíssima história de Daria Bilodid que com apenas 20 anos, já atingiu o Ouro Mundial duas vezes a nível do escalão sénior. Filha de dois grandes judocas, nomeadamente o pai (com várias medalhas em Europeus e Mundiais), que são também seus treinadores e que tal como confessa Gennady Bilodid (pai), separarem o papel de pais durante as sessões de treino, por vezes é extremamente complexo “porque Daria é uma atleta que se impõe aos limites diários”.

A paixão tem de ser construída e alimentada. É evidente que quando há uma desmotivação clara e que não é transitória, por parte do atleta, os pais devem estar muito atentos e não forçar o que não é para ser forçado. Mas quantas vezes não disse ao meu filho, depois de ouvir um:

“Pai, hoje está a chover. Não me apetece muito ir ao treino. Ficas triste?”.

Às vezes o mais fácil e comodista é alinhar com o estado de alma que acabamos de ouvir. Mas estarei a prestar um bom serviço ao meu filho? Longe de querer que ele seja um campeão, para além dos benefícios físicos, psicológicos e sociais da prática desportiva, explico-lhe quase sempre o seguinte: “filho, faltar ao treino porque está a chover, vai-te fazer pensar que sempre que a vida te apresente um obstáculo mais difícil e penoso, a solução mais cómoda é o caminho. E quase nunca é. Por outro lado, se todos os miúdos pensarem como tu, o coitado do teu treinador vai ficar sozinho à chuva depois de ter passado bastante tempo do dia a planear a sessão. Se nos comprometemos com o nosso treinador, mas também com os teus colegas e até contigo próprio – o caminho é irmos ao treino. O que achas?”. Desta forma a decisão é tomada com o envolvimento do nosso educando, fazendo com que ele se sinta responsável pela decisão dele.

E nós por cá, no judo nacional?

Servir-me-ei agora do tão escutado pelos pedagogos: “elogia-se em público, critica-se em privado”, com o compromisso ético de não referenciar os atletas. Quando penso por exemplo em duas atletas que já são grandes certezas da modalidade, percebo, ainda que muito à distância (por não estarmos envolvidos no processo), que são o exemplo e a constatação perfeita do que fomos afirmando. Pais como alicerces fundamentais nas suas vidas e incansáveis no acompanhamento e na progressão das suas carreiras. Um exemplo que poderia ser ensinado nas escolas.  Por isso mesmo, quando ouvia do meu querido amigo Joaquim Batista, Presidente do Judo Clube de Portimão, a ideia de que também é por isso que as aulas na formação devem ser muito orientadas para os pais e encarregados de educação, perguntando até coisas do género: «se estão dispostos a perder 120 minutos diários para treinar com os seus filhos?». Lá está, como diria o poeta Irlandês com que iniciámos este texto é o tal: “A educação não consiste em encher um balde, mas em acender um fogo”. 

Se toda a carreira desportiva do atleta (filho) em Portugal fosse feita, dentro desta cultura de envolvimento com uma parentalidade positiva, a desafiar, a comprometer, mas também na exigência de sacrifícios – teríamos, certamente, no desporto e no célebre triângulo desportivo (Pais – Atletas – Treinadores) um pódio para todos.

Tiago Pereira da Silva

Mestre no Ensino da educação física e desporto escolar pela Faculdade de Motricidade Humana. Doutorando da Faculdade de Motricidade Humana. Professor Assistente convidado do ISCPSI Professor Assistente Convidado da Faculdade de Motricidade Humana (Judo) Treinador de alto rendimento de Judo – grau III.

© foto JudoInside | Cristian Fidler | C.Degushi |

SOBRE O AUTOR | Editor

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