FAIR PLAY | Não há futuro para o judo no Japão
JUDO Magazine | 19 de outubro 2020 | Fair Play | Seria quase heresia referirmo-nos ao judo no Japão como uma modalidade violenta e com muitos problemas nas relações entre treinadores e atletas, mas felizmente é a lenda olímpica Yasushiro Yamashita que lidera o movimento que se propõe mudar a mentalidade e as práticas daqueles que continuam a negar abordagens pedagógicas adequadas na gestão dos treinos e a ignorar os princípios elementares do Fair Play no desporto.
Receber os Jogos Olímpicos é também a ocasião para destacar as modalidades desportivas que têm origem e raízes sólidas no país organizador, por isso o judo terá todas as razões do mundo para sentir orgulho na realização dos Jogos em 2021 em Tóquio, a capital da casa-mãe da modalidade.
Métodos militares
Infelizmente o tiro pode sair pela culatra porque o país dos samurais encontra-se debaixo de fogo dos observadores mais atentos devido a práticas violentas com levam a lesões e a abusos cuja dramática consequência foi a morte de mais de 100 judocas, nas últimas décadas, atribuídas aos métodos de treino militares muito dissiminados.
“É uma pena que o judo seja considerado extremamente perigoso. Os responsáveis e protagonistas do judo do Japão devem levar isto muito a sério”, afirmou à Associated Press Yamashita, chefe da Federação de Judo de todo o Japão numa entrevista em Tóquio.
Yamashita, medalha de ouro olímpico e membro do Comité Olímpico Internacional e presidente do Comité Olímpico Japonês, reconheceu que os problemas são sérios no Japão com lesões que ocorrem devido a punições nos treinos.
“O problema é que a mensagem ainda não chegou a todos a nível da base”, adiantou Yamashita.
Yamashita é exemplo
Yamashita superou uma lesão na perna para ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Los Angeles em 1984, tendo ido até ao pódio a coxear para a cerimónia de consagração.
“Importa partilhar a alegria com a sua equipa, respeitar o adversário, aprender o autocontrole. Aprende-se muito, não apenas ganhando mas também perdendo ”, disse Yamashita, que se tornou o responsável máximo do Comité Olímpico Japonês no ano passado, depois do seu antecessor ter renunciado em consequência de um escândalo relacionado com subornos.
De 1983 a 2016, 121 mortes foram relatadas no judo no Japão, de acordo com a Associação Japonesa de Vítimas de Acidentes de Judo.
Esse número envolve exclusivamente os judocas das escolas já que dos dojos de artes marciais não existem quaisquer dados.
O treino duro tem gravosas consequências. Em 2019, um aluno do quinto ano morreu de um coágulo sanguíneo depois de ter batido com a cabeça durante um treino. Noutros caso, também no ano passado, um aluno da quarta série ficou gravemente ferido depois de ter sido derrubado, de acordo com a associação das vítimas.
A popularidade do judo no Japão parece estar a diminuir em comparação com outros desportos como o beisebol e o futebol.
Brousse radical
Michel Brousse, especialista da modalidade em França vai ao ponto de afirmar que “os problemas são tão graves que não há futuro para o judo no Japão a menos que sejam resolvidos em breve. Nenhum outro país do mundo tem tantos feridos”, afirmou Brousse 7º Dan que recentemente se aposentou do ensino na Universidade de Bordeaux.
O abuso sexual é um problema
Em 2011, Masato Uchishiba, duas vezes medalha de ouro nas Olimpíadas, foi preso sob a acusação de agredir sexualmente um de seus alunos de judo. Afirmou estar inocente alegando que o sexo era consensual. Foi condenado e sentenciado em 2013 a cinco anos de prisão. Em 2013, 15 judocas japonesas divulgaram um comunicado, alegando violência e assédio generalizados na modalidade.
Um relatório recente da Human Rights Watch sobre organizações desportivas no Japão, incluindo o judo, disse que faltava um padrão para sanções a treinadores abusadores. As reclamações não eram tratadas de forma adequada e os dados públicos sobre denúncias de abuso ou investigações não estavam disponíveis.
Estilo espartano
Noriko Mizoguchi, uma atleta que conquistou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos e que leciona na Escola Feminina de Educação Física do Japão, tendo também lecionado em França, enalteceu o fato dos seus alunos franceses a chamavam de Noriko. “Isso é impensável no Japão rigidamente hierárquico. No Japão, espera-se que um estudante de judo responda apenas com um grito Hai ou sim e nunca se dirija a um superior pelo primeiro nome”, declarou Mizoguchi.
“No Japão, espancamentos e assédio também fazem parte dos métodos e do estilo espartano praticado no judo. Tratam-se de formas de formas brutais de treino militar enraizadas no país, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.” concluiu Noriko Mizoguchi.
Fontes Associated Press, InsidetheGames