ALMA JUDOCA | Uma mãe de elite

ALMA JUDOCA | Liliana Rainho

Os homens por mais que façam as contas, não chegam lá. Quantas vezes foi necessário correr, acelerar, dar a volta aos impedimentos e às aparentes barreiras intransponíveis do dia-a-dia. Quantas combinações foram acertadas à última da hora, com pais, marido, amigas e amigos e outros familiares. Quantas vezes amamentar à pressa, foi apenas mais uma vez. Quantas vezes foi preciso ser mãe sem deixar de ser judoca, quantas vezes ser judoca não impediu de ser mãe.

por Liliana Rainho

Esta aventura do judo e da maternidade começa num treino em Maio de 2012.

Já estávamos a “treinar” para termos um bebé mas não sabia que estava grávida. Então, num treino de Judo estava a fazer Randori com o pai de um aluno meu e no meio do combate lesiono-se no joelho (creio que fez uma rotura de ligamentos ou algo do género). Passado pouco tempo descubro que estava grávida, então, ainda hoje nos rimos da situação porque na altura ele disse (em tom de brincadeira) “que humilhação, levei tareia de uma mulher ainda por cima grávida!” (ele é o meu dentista e já com esta terceira gravidez fazemos piada sobre isso ).

A partir daí foi uma aventura e um verdadeiro yaku-soku-geiko entre o amor da minha vida (ser mãe) e a paixão que vem desde os meus 5 anos (Judo).

A Leonor nasceu em fevereiro de 2013 e até Janeiro de 2012 mantive quase tudo o que fazia no judo, continuava a dar aulas aos miúdos (tinha duas classes , uma entre os 3 e os 5 anos e outra entre os 6 e os 10 anos); continuava na arbitragem Nacional ; continuava a ir arbitrar pela associação de Lisboa e pertencia aos órgãos sociais do meu clube (era presidente da Assembleia Geral).

Arbitrar com casaco aberto

Nas aulas fazia tudo com os miúdos, já com uma barrigona e continuava a fazer os exercícios e a demonstrar a parte técnica. Na arbitragem também mantive , fiz a minha última prova em Dezembro, já com uma barriga enorme! O desafio maior foi a farda da arbitragem, porque as calças foi fácil de fazer umas de grávida, o casaco foi mais complicado. Chegou a um ponto em que já não abotoava, então lembro-me que numa das últimas provas um colega (Luis Paz) olhou para mim de cima a baixo, lá entendeu que não estava bem apresentada e ofereceu-me o casaco dele para ver se dava para eu ir arbitrar de casaco fechado, mas o casaco dele ficava enorme, então acabei por ir arbitrar com o casaco aberto.

A Leonor nasceu a 24 de Fevereiro e nesse primeiro semestre não arbitrei nem dei aulas, retomei tudo em Setembro de 2013.  Tive a sorte de ter um bom suporte e apoio da parte dos meus pais (que foram sempre eles a tomar conta das minhas filhas), então, enquanto ela era bebezinha, dava-lhe mama antes de ir dar aulas e depois saía a correr para a ir buscar. Quando ela começou a gatinhar, a minha mãe costurou-lhe um judogi e o meu pai (que também era judoca) ia com ela para o tatami e enquanto eu dava aulas ele estava ali com a neta no tapete até a aula terminar (os miúdos achavam um piadão porque ela fazia as saudações da aula e depois eles brincavam com ela).

Amamentar entre combates

Em relação às arbitragens, os meus pais iam comigo para o pavilhão, ficavam a tomar conta da menina e quando era altura de mamar eu pedia autorização ao Conselho de arbitragem, entre combates, vinha num instante às bancadas e amamentava a minha filha (amamentei até aos 18 meses da mais velha e até aos 15 meses da mais nova).

Recordo-me que ela era bebé, talvez ainda não tivesse os seis meses, tivemos o primeiro encontro/treino feminino, então lá fui eu treinar com ela (o meu marido ficou com ela assistir ao treino) e a meio do treino lá saí eu para lhe dar mama (toda transpirada lá fui eu saciar a garota).

Durante o ano de 2014 fiz o exame para árbitro elite, estive um semestre em avaliação e passei para essa categoria em setembro de 2014.

Gravidez de risco

Com o tempo e à medida que a menina foi crescendo começou a ser mais desafiante conciliar tudo, até porque a minha profissão é fora do judo (sou consultora pedagógica, trabalho numa editora) ou seja, eu deixava a minha filha para ir trabalhar, dava 3 aulas de judo por semana e ao fim de semana ia arbitrar…. Estava a começar a sentir que estava a descurar o meu papel de mãe (que para mim sempre foi a prioridade). Então terminei o ano letivo em 2015 (tinha a Leonor dois anos e meio) e deixei de dar aulas de judo, passei a ficar só com a arbitragem a nível nacional .

Nesse ano casei (em setembro de 2015) e também engravidei em setembro, sendo que tive um aborto em Novembro. Volto a engravidar no fim de Março de 2016. Durante esse tempo continuo sempre a arbitrar e nos órgão sociais do clube. Em setembro de 2016 fico com uma gravidez de risco e durante um ano parei de arbitrar (ia ver provas e fui sempre aos estágios para não perder o fio à meada, levava a Maria comigo e assistia ao estágio e tratava dela ao mesmo tempo: mudava fralda , amamentava, etc).

Definir prioridades

Com duas já era mais difícil de conciliar já não ia à totalidade das provas (que até aí era convocada para praticamente todas as provas) as provas também eram menos (concentravam-se mais em fins de semana e acabava por conciliar com o meu marido).

Entretanto chegou a pandemia, em Dezembro de 2020 engravidei da minha terceira menina e no início de 2021 acabei mesmo por pedir a suspensão da arbitragem durante dois anos, não só porque estou com uma gravidez de risco, mas porque com três crianças ainda tão pequenas chega a um ponto em que temos de definir prioridades. Se continuasse chegaria a um ponto em que nem estava a fazer uma coisa bem nem outra, então é preferível fazer uma pausa (porque a infância das minhas filhas não volta atrás e o judo estará lá sempre, posso perder oportunidades e posso não progredir como gostaria, mas de uma forma ou de outra o judo estará lá sempre para quando eu puder voltar).

O judo fica, para já, em standby  (solicitei ao conselho de arbitragem autorização para continuar a frequentar os estágios de arbitragem para me manter sempre a par das regras para quando retomar a atividade), não é um Soremade mas sim um Sono-Mama!

Até já

Fotos © Liliana Rainho

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