De Ford Transit, treinar por essa Europa fora

| Editado Carlos Ribeiro

Em Los Angeles estiveram presentes 9000 jornalistas e um pouco menos de 7000 atletas. O tom estava dado. Apesar do boicote dos países do bloco soviético a mediatização do acontecimento estava garantida a um nível nunca antes visto. O desastre económico de Montreal em 1976 iria ter um remédio que desde então não cessou de se aperfeiçoar: os Jogos Olímpicos tornaram-se uma gigantesca operação comercial baseada no marketing das grandes marcas globais. E nada melhor que lançar esta estratégia com Hollywood ali ao lado, a catedral da indústria cinematográfica e da produção de conteúdos de entretenimento.

A neta de Jesse Owens, o herói dos heróis olímpicos, que voou nas barbas dos nazis em Berlim e conquistou 4 medalhas históricas, transportou a chama olímpica numa cerimónia de abertura faraónica. Os Estados Unidos da América que boicotaram os Jogos anteriores realizados em Moscovo para condenarem a entrada dos soviéticos num país soberano, o Afeganistão, trataram de invadir Granada um ano antes dos Jogos de Los Angeles em 1983 e colocaram-se em situação semelhante àquela que foi criada pelos seus adversários 4 anos antes.

Carl Lewis foi o nome de maior relevância no atletismo, modalidade na qual Portugal conquistou a sua primeira medalha de ouro nos Jogos Olímpicos com a vitória de Carlos Lopes na maratona. António Leitão e Rosa Mota conquistaram duas outras medalhas, de bronze, nos 5000m e na maratona feminina.

O Judo em Los Angeles

Los Angeles 1984 

  • António Roquete / Bombeiros Voluntários dos Estoris 
  • Hugo Assunção / Judo Clube Portugal 
  • Rui Rosa / Ginásio Clube Português 
  • João Neves / Judo Clube Portugal 

Hugo Assunção, uma referência central do judo de competição em Portugal, marcou uma época e continua bem presente na memória dos judocas portugueses.

O atleta olímpico campeão nacional e ibérico que participou nos Jogos de Los Angeles também nos facultou elementos sobre a participação em Seoul, para além de apontamentos e documentos da experiência única que foi ser praticante da modalidade e competidor nos anos 80 em Portugal.

Um pouco de História

| Testemunho Hugo Assunção

A minha experiência no Judo e a vivência nos dois Jogos Olímpicos (1984 – Los Angeles e 1988 – Seoul).

Hugo Assunção OLY 84/88

Comecei no Judo por força de ser teimoso. Aos onze anos, passava férias com meus pais na ilha da Fuzeta, quando conheci o meu futuro amigo e treinador, Henrique Nunes. Este, em jeito de desafio disse-me:

  • “Não és capaz de fazer dez flexões de braços”. Eu fiz vinte.
  • “Quero este tipo no Judo”, disse aos meus pais. E assim foi.
Elementos de percurso, Carão JCP, Licença FPJ, recortes de jornal
  • Iniciei-me no Judo em 1969 no Judo Clube de Portugal.
  • A minha primeira competição foi em 1971.
  • Fui treze vezes campeão nacional de seniores, na categoria de -71kg, duas vezes campeão absoluto e uma vez campeão ibérico.
  • Participei em vários campeonatos europeus, em dois jogos olímpicos (1984 e 1988) e abandonei a competição em 1990.
  • Também fui cronometrista, árbitro e treinador.

Campolide, onde tudo começou

De Campo-de-Ourique, onde vivia e estudava, a Campolide, onde treinava no Judo Clube de Portugal, deslocava-me a maior parte das vezes a pé, outras de autocarro da Carris, lá ia eu de judogi às costas, entre a escola e o treino. Foi aí que cresci, percebendo que o Judo não se pratica com o espelho, com um peso ou um dardo. Pratica-se com adversários no tapete e colegas e amigos, fora dele.

O Judo tem a filosofia de formar cidadãos e o respeito pelo outro é fundamental, pois sem ele no “tapete”, deixamos de ter com quem progredir.

O desporto amador a sério, só apareceu após o 25 de abril de 74, com a abertura internacional. Era difícil de concorrer, de igual para igual, com os atletas de outros países. Não havia dinheiro para as federações e por conseguinte, para apoiar os atletas. Os contactos internacionais eram escassos e muito suportados pela “carolice” do Mestre Henrique Nunes que fazia, das tripas coração, os intercâmbios com outros Mestres de Clubes de Judo internacionais. Vinham fazer estágios de verão a Portugal e nós depois, íamos de Ford Transit treinar por essa Europa fora, aprendendo e progredindo com os outros, dormindo nos tapetes onde treinávamos e regressando com o sonho realizado.

Video | Sode à esquerda – Hugo Assunção

As “sovas” de Kobayashi

As lesões quando apareciam eram “coladas” pelo Mestre Kiyoshi Kobayashi que nos acompanhava nas provas e nos “sovava” no tapete.

Os tostões eram contados, mas tive a sorte de os meus pais me terem apoiado ao ponto de estarem quase sempre presentes nas competições nacionais.

O objetivo dos Jogos Olímpicos surgiu naturalmente, como resultado do esforço, resultados, superação, dedicação e ambição. Para chegar ao nível olímpico é necessário abdicar de muitas coisas, mas também se alcançam metas, se superam obstáculos no percurso, se enriquece o saber e se fazem verdadeiras amizades para a vida.

Judocas no Estádio Olímpico

A tropa, Monge da Silva e o fax dos amigos

Relativamente à vivência nos Jogos Olímpicos, tenho dois episódios que posso partilhar.

O primeiro, foi, em 1983, quando me encontrava a cumprir os 18 meses de serviço militar obrigatório e fazia parte da equipa dos pré-olímpicos de Judo. Necessitava de atingir os mínimos para os J.O. de Los Angeles 84 e o serviço militar deu-me uma semana para tal. Fui integrado na comitiva nacional de Judo, para ir ao Campeonato Internacional de Gent, na Bélgica, onde consegui um terceiro lugar, alcançando assim os mínimos. Quando regressei ao quartel em Cascais, para meu espanto, tive de cumprir mais uma semana do serviço militar obrigatório.

O segundo episódio, ocorreu quando comecei a trabalhar na EDP em 1987 (no Centro de Cálculo de Sacavém), portanto um ano antes dos Jogos Olímpicos de Seoul. Aí desenvolvia programas informáticos. Muito do meu treino pessoal começava antes de iniciar o trabalho. À hora do almoço, ia de VW carocha, treinar musculação, com os outros judocas pré-olímpicos, no pavilhão municipal de Loures, com o Prof. Monge da Silva, preparador físico nacional. No fim do dia de trabalho, treinava Judo com todos os selecionados, no Instituto Nacional dos Desportos, na Rua do Quelhas. Foram tempos duros e recordo com carinho, os meus colegas de trabalho que me apoiaram ao ponto de me enviarem para Seoul um fax de incentivo.

Estes dois episódios apenas ilustram o nível de sacrifício pessoal e humano que foi necessário desenvolver para representar uma modalidade desportiva e um país.

!986, Tokyo – Kodokan

Mudanças positivas

Atualmente, a Federação Portuguesa de Judo possui um bom orçamento, os clubes têm tapetes e equipamentos adequados, os clubes grandes já apoiam atletas do Judo, há patrocínios e publicidade nos judogis, as viagens são baratas, existem apoios estatais e empresariais a vários níveis, há prémios…

Haverá por ventura, hoje, menos judocas Olímpicos portugueses preocupados com o empréstimo da casa para pagar, quando entrarem em competição.

Creio que, hoje, os nossos judocas Olímpicos já combatem de igual para igual com os outros e os resultados têm-se visto.

SEOUL Comitiva

RESULTADOS EM LOS ANGELES

LOS ANGELES 1984JUDO – 60 KG MEN RESULTS

  • Ouro JPN Shinji Hosokawa
  • Prata KOR Jae-Yup Kim
  • Bronze GBR Neil Eckersley
  • Bronze USA Edward J. Liddie

9 POR Joao Neves

LOS ANGELES 1984JUDO 60 – 65KG (HALF-LIGHTWEIGHT) MEN RESULTS

  • Ouro JPN Yoshiyuki Matsuoka
  • Prata KOR Jun-Oh Hwang
  • Bronze FRA Marc Alexandre
  • Bronze AUT Josef Reiter

=20 POR Rui Rosa

LOS ANGELES 1984JUDO 65 – 71KG (LIGHTWEIGHT) MEN RESULTS

  • Ouro KOR Byeong-Geun An
  • Prata ITA Ezio Gamba
  • Bronze BRA Luiz Yoshio Yoshio Onmura
  • Bronze GBR Kerrith Brown

=19 POR Hugo De Assuncao

LOS ANGELES 1984JUDO 71 78KG HALFMIDDLEWEIGHT MEN RESULTS

  • Ouro FRG Frank Wieneke
  • Prata GBR Neil Adams
  • Bronze FRA Michel Nowak
  • Bronze ROU Mircea Fratica

=14 POR Antonio Roquette Andrade

Fonte © Hugo Assunção

SOBRE O AUTOR | Editor

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