O rugby ali tão perto

VETERANOS – Lisboa 2021 NOTAS DO PAVILHÃO nº 1

Quem nestes últimos dias foi ao complexo desportivo universitário de Lisboa não pôde deixar de observar o movimento, a festa, os aplausos, a luta nos campos relvados pela bola oval e todo um ambiente de camaradagem, de grupos familiares e de amigos que caraterizam “o mundo do rugby”.

O desporto que o filósofo Michel Serre indicava como tendo de forma intrínseca um sentido de comunidade e de solidariedade e que funciona na base de valores que colocam no centro da prática desportiva o coletivo e o sentido do direito (por oposição à violência não-regulada) esteve ali, porta com porta com o judo. Veio-me à cabeça a teoria dos vasos comunicantes.

Ippon!

O árbitro assinala Ippon. Firme e convicto arruma a questão do vencedor e do vencido. Das bancadas saem aplausos e até alguns gritos de apoio. Tudo terá terminado. Mas não, foi precipitação ver na questão da vitória – derrota o desfecho da situação. O competidor que acabou de vencer dá a mão ao seu adversário ainda no chão a olhar para o tecto do pavilhão. A desilusão está espelhada no seu rosto. Mas a mão que lhe é esticada torna-se quase uma bóia de salvação. Sorri, levanta-se, compõe um pouco o judogi e retoma a posição inicial do combate à distância regulamentar. No final abraçam-se demoradamente, trocam uma palavras, mais uma vez venceu o judo.

No banco também se joga

Fora do pavilhão, no relvado em frente, termina a partida. Já não haverá lugar para outros ensaios. O árbitro apitou, os vencedores lançam um grito coletivo de alegria e de festa. Mas logo a seguir juntam-se e batem palmas aos adversários derrotados que agradecem com sorrisos e algumas palmas tímidas. Um treinador, fora do relvado, adianta a um jovem praticante que acerta os atacadores das suas botas desportivas “sabes que reconheço o teu valor e a tua importância na equipa. Mas compreendes que são 20 elementos no grupo que treinam árdua e afincadamente durante toda a semana e tu tens faltado. Ficas no banco e vamos acompanhar a situação juntos. Dirás a tua opinião sobre quem é que te está a substituir hoje em campo”.

A prática desportiva com valores tem dificuldade em permanecer na sua integral configuração com o sistemático aumento das pressões do desporto-espetáculo. A par da participação sincera e genuína funciona também a lógica dos patrocinadores, da publicidade, das chamadas comunidades de consumidores involuntárias.

Valores em primeiro lugar

Mas o judo e rugby fazem o seu caminho e não prescindem da vertente ética, cultural e societal nas dinâmicas desportivas que alimentam. Cada uma destas modalidades precisa de se auto-referenciar, por exemplo o rugby que foi modalidade popular na sua origem e se foi tornando cada vez mais elitista e o judo que se desenvolveu numa lógica de clubes restritos necessita de se abrir totalmente às comunidades locais, às escolas, às associações e à sociedade em geral.

Se me perguntarem se tenho alguma explicação para o ambiente extraordinário que se viveu no Pavilhão nº 1 do complexo desportivo universitário no Campeonato do Mundo de Veteranos eu não terei resposta, mas cá na minha cabeça não deixarei de pensar nas palmas e nas palavras ouvidas no exterior. Uma contaminação informal entre partes poderá ter ocorrido e assim os vasos comunicantes terão funcionado.

Fotos ©JM

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