A aventura do judo feminino, Joana Santos uma campeã cativada pelo judo

HISTÓRIA DO JUDO | Joana Santos | Entrevista 10 de junho 2022

ENTREVISTA | por Carlos Ribeiro

Querem um exemplo do potencial inclusivo do judo como modalidade desportiva e como prática social de grupos que se auto-organizam para cooperar no tapete e fora dele? Joana Santos é muito clara na narrativa da sua fase de acolhimento e de arranque na prática da modalidade. Foi aí que tudo se jogou.

Hoje para ela como atleta, como campeã e como pessoa e hoje, também para todos aqueles que vibram com as suas vitórias, há um bocadinho de felicidade partilhada que resulta desse elemento simples, mas tão potente, que é o judo como modalidade desportiva intrinsecamente inclusiva.

Dinâmicas inclusivas

Vejam, Joana na sua experiência como jovem surda, não nos remete para um processo de integração que, como sabemos, assenta na incorporação de uma das partes, naquela que é a mais forte. Integrar-se é adoptar as regras de jogo dominantes, do mais forte. No relato que Joana nos oferece do seu acolhimento no Judo Clube do Algarve ela remete-nos para uma dinâmica inclusiva, ou seja, para uma relação na qual todos ganham, todos beneficiam do fato das partes interagirem e quererem ir mais além. Então não é que os jovens judocas do seu grupo inicial acabaram por aprender parcialmente linguagem gestual? Que inventaram formas de comunicação criativas e que todos realizaram essa aventura de novas aprendizagens para que a dinâmica do grupo funcionasse. Então confirmou-se a mais-valia dos processos inclusivos que radicam nesse mecanismo de abertura que consiste em aproveitar as interações desniveladas à partida para construir um novo nivelamento que acaba por beneficiar todos, sem exceção. Isto é inclusão. É progresso social. É construção de solidariedades de vantagem mútua.

Fomos à procura da Joana e tivemos a sorte de combinar com a mãe, que nos acolheu ao telefone quando estávamos em plena cidade de Dimitrovgrad, na Bulgária, e com ela aprendemos, nós também a concretizar os nossos objetivos. Júlio Marcelino já nos tinha avisado que não seria nada difícil porque a Joana lida sem qualquer limitação com todas as situações. E assim foi.

ENTREVISTA

1 – Quando é que começastes a praticar judo (idade) e em que condições (clube e com que regularidade)?

Comecei no judo pela primeira vez com 9 anos, frequentava aulas de ballet no conservatório, mas já não me sentia lá bem, então comecei a procurar outro tipo de desporto e a tendência era para as artes marciais e o judo foi sem duvida onde me senti melhor, gostei logo do ambiente e do convívio que la existia e depois o treinador também me cativou logo no primeiro dia, para além de também, na altura, treinar lá um menino da minha idade surdo, então estavam reunidas as condições para escolher o judo. Treinava duas vezes por semana e estava sempre desejosa que chegasse o dia e a hora de ir treinar. Comecei no Judo Clube do Algarve, com o Mestre Júlio Marcelino clube e treinador que mantenho até hoje.

2 – Como foi o início da prática da modalidade? Registaste algumas dificuldades ou correu tudo de forma natural?

Começou tudo de uma forma muito natural, fui muito bem recebida por todos e todos me tentavam ajudar cada um à sua maneira, formei logo um grupo com as raparigas da minha idade (todas ouvintes), éramos 6 ou 7 e sempre fomos muito unidas, para comunicarmos encontrávamos sempre alguma maneira, desde escrever no ar, na parede ou no chão ou encontrar gestos à nossa maneira, mas aos poucos algumas até aprenderam um pouquinho de língua gestual e algumas vezes também éramos adversárias, umas vezes ganhava uma outras outra, mas depois das competições lá vínhamos para o Algarve todas contentes, havia um verdadeiro espirito de equipa e sempre acompanhadas pelo Mestre. Foi talvez este início que me projetou para o futuro e faça com que hoje ainda continue no Judo.

3 – Qual foi a tua evolução ao longo dos tempos. Passagens de cintos, início de provas, e competições internacionais?

Comecei com provas regionais pelo Algarve e Alentejo, mas sem o bichinho da competição, mas como comecei a ganhar cada vez mais medalhas o gosto pela competição começou a aparecer, depois seguiram-se outras provas a nível nacional onde fui Campeã Nacional por várias vezes e depois chegaram naturalmente as provas internacionais, tendo mesmo participado com 15 anos, já cinturão negro, no Olímpico da Juventude Europeia (Itália) e no Campeonato da Europa (Áustria) onde fui 5ª classificada, provas estas para ouvintes, nesta altura desconhecia por completo que existiam competições de judo só para surdos.

“fui Campeã Nacional por várias vezes e depois chegaram naturalmente as provas internacionais”

4 – Como foste combinando o judo com as outras vertentes da tua vida pessoal e social e principalmente o fato de seres mãe e realizares atividades profissionais na área do design e da comunicação?

Até à universidade foi relativamente fácil, aqui em Faro é tudo muito perto e as deslocações fazem-se bem a pé. Depois quando fui para Lisboa, vivia na Av. de Roma e estudava na Faculdade de Belas Artes de Lisboa tornou-se um bocadinho mais complicado, treinava em “clubes emprestados”, para os treinos da Federação que se realizavam no Jamor, a deslocação também era difícil, não foram tempos fáceis para mim, mas lá consegui chegar ao fim sem nunca abandonar o judo. Neste momento dedico-me só ao judo, só depois de abandonar as competições é que vou tentar a minha sorte na área do design de comunicação.

“Tenho um filho com 4 anos e vou conseguindo conciliar o meu papel de mãe com os treinos, com a ajuda também da minha família”.

5 – E amigos e amigas, o judo é uma área na qual estabeleceste amizades?

Sim no judo desenvolvemos capacidades como o respeito, honestidade, humildade e naturalmente fortalece a amizade entre os judocas e algumas ficam mesmo para a vida.

6 – Tens algumas preparação específica para as provas internacionais e realizas um plano com o teu treinador para o efeito?

Sim para as provas mais importantes o treino é mais intenso, treino todos os dias de manhã e à tarde, sempre com um plano de treino elaborado pelo meu treinador, que tenho que seguir.

7 – Como é que viveste esta última prova na qual conquistaste o ouro, foi mais complicado que Versalhes ou foi equivalente?

Os Jogos Surdolimpicos são o topo do judo para surdos por isso pesa sempre mais, embora quando vou para uma prova seja ela que nível for tendo sempre dar o meu máximo em cada combate, mas o Campeonato do Mundo que se realizou em Versalhes e no qual me sagrei campeã do mundo também foi muito importante e teve um sabor diferente, pois foi a primeira prova que participei depois de toda esta situação atípica que todos vivemos, talvez por isso, foi tão falada na comunicação social, porque eu já tinha ganho este titulo anteriormente e nunca tinha tido tanto impacto.

Mas a missão Surdolimpica vivida em Caxias do Sul no Brasil, foi também muito marcante para mim, até porque senti, antes da prova, a responsabilidade de ter sido escolhida como porta-estandarte de Portugal.

“O curioso destas duas provas é que disputei a final com a mesma atleta da Coreia do Sul, o que aconteceu no Brasil foi como que uma repetição do que aconteceu em Versalles.

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8 – Estás a pensar em novos planos para o teu futuro mais próximo, em relação ao judo de competição, que planos são esses e como vai ser o processo de gestão do teu tempo na relação com a modalidade?

Por enquanto vou continuar no judo, sinto-me bem, apesar de já ter 32 anos de idade, mas vou conseguido fazer essa gestão, o objetivo é chegar aos Jogos Surdolimpicos Tóquio 2025, no próximo ano haverá Campeonato da Europa e depois em 2024 o Campeonato do Mundo, entretanto, vou participando sempre que seja possível em provas com ouvintes, como o Campeonato Nacional por exemplo.

9 – Umas palavras finais para os judocas e para as judocas poruguesas….

Que tentem sempre concretizar os seus objetivos e para isso já todos sabemos que temos que trabalhar muito e que nunca desistam, a persistência é a nossa arma para conseguirmos vencer.

Um treinador de ontem. de hoje e de amanhã

Júlio Marcelino, um treinador omnipresente no percurso da Joana Santos, é categórico quanto ao valor da atleta que acompanha desde o seu início como competidora nacional e internacional “a Joana foi várias vezes campeã nacional e nas provas para ouvintes afirma sempre a sua capacidade de ultrapassar os obstáculos. No último nacional apanhou a Telma pela frente e como sabemos a Telma é a Telma, mas a Joana não se deixa impressionar em nenhuma situação. veja-se como ela venceu, com alguma facilidade, a prova no Brasil. Repetiu-se a final do Mundial com a coreana. Houve dúvidas sobre o wazari na arbitragem mas no final, em 8 juízes 5 decidiram a seu favor. Foi uma honra estar ao seu lado e torcer para que ela vencesse. E felizmente foi o que aconteceu”.

Como foi no Brasil

“A Judoca do Judo Clube Algarve dominou na categoria -57 kg. Joana Santos estreou-se comuma vitória, por ‘ippon’, sobre Evelina Yagemberdiyeya (com quem já tinha combatido no Mundial), do Cazaquistão. Garantiu o acesso à final da categoria, ao derrotar a venezuelana Mayerlyn Rodriguez, novamente por ‘ippon’. Na reedição da final do Mundial, Joana Santos voltou a superar a coreana H. Lee, conquistando a Medalha de Ouro e sagrando-se Campeã Surdolímpica. No Brasil, a portuguesa, que foi porta-estandarte na Cerimónia de Abertura do evento, foi acompanhada pela parceira de treino Ana Agulhas e pelo treinador Júlio Marcelino” fonte FPJ .

O currículo desportivo de Joana Santos

Nome: JOANA FILIPA PAULO SANTOS | Data de Nascimento: 11 de Fevereiro de 1990

2003 JUVENIL

  • Campeã Nacional (-48 Kg)
  • Vice Campeã Nacional de Equipas Inter-Associações

2004 JUVENIL

  • Campeã Nacional (-52 Kg)
  • Campeã Nacional de Equipas Inter-Associações
  • Torneio de Londres – 5ª classificada
  • Torneio de Madrid – 3ª classificada

2005 ESPERANÇA

  • Campeonato Nacional – 3ª classificada (-52Kg)
  • Torneio de Fuengirola – 7ª classificada
  • Torneio de Jícin (Rep. Checa) – 3ª classificada
  • Torneio Internacional de Portugal – 1ª classificada

Campeonato da Europa (Áustria) – 5ª classificada

  • Festival Olímpico da Juventude Europeia (Itália)
  • Torneio de Madrid – 3ª classificada

2006 ESPERANÇA / JUNIOR

  • Vice-Campeã Nacional (-57Kg)
    • Campeonato Nacional de Juniores – 5ª classificada
    • Torneio Internacional de Fuengirola – 7ª classificada
    • Torneio Internacional de Portugal de Juniores – 5ª classificada
    • Torneio Internacional de Esperanças – 3ª classificada
    • Torneio Internacional de Jícin (Rep. Checa) – 9ª classificada
    • Torneio Internacional de Szczyrk (Polónia) – 9ª classificada
    • Vice-Campeã Nacional por Equipas
    • Torneio Internacional de Coimbra – 3ª classificada

2007 JUNIOR (-57Kg)

  • Torneio Nacional Olímpico sub 23 – 3ª Classificada (- 63 kg)
    • Campeonato Nacional de Juniores – 3ª classificada
    • Torneio Internacional de Portugal – 9ª classificada

2008 JUNIOR

  • Campeã Nacional – (-63kg)
    • Torneio Internacional de Portugal – 7º classificado
    • Taça de Portugal – (Equipas) – 2º classificada
    • Torneio Nacional sub-23 – 3ª classificada
  • Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (-63kg) – França
    • Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (Open) – França
    • Torneio Internacional “Cidade de Faro” – 3ª classificada
    • Torneio Internacional – Polónia
    • Torneio Internacional – República Checa
    • Torneio Internacional – Áustria
    • XII Taça Int. Kiyoshi Kobayashi – 3ª Classificada

2009 – JUNIOR

  • Torneio Internacional – Espanha – 3ª Classificada

Campeã Surdolímpica – Taipé (China)

  • Campeã Nacional de Equipas Juniores

2010 – SENIOR

  • Torneio Nacional da FPJ – 1ª Classificada
    • Taça Int. Kiyoshi Kobayashi – 3ª Classificada
    • Campeonato Nacional – 3ª Classificada
    • Campeã Nacional (equipas) – 1º lugar

2011 – SENIOR

  • Campeonato da Europa Sub-23 Rússia – 9ª classificada (-63kg)
    • Campeonato Nacional – 2ª classificada (-63kg)
    • Campeonato Nacional Sub 23 – 2ª classificada (-63kg)
    • Torneio FPJ – 2ª classificada (-63Kg)
    • Taça Int. Kiyoshi Kobayashi – 2ª classificada (-63kg)
    • Taça do Mundo em Odivelas (-63kg)
    • Taça do Mundo Madrid (-63Kg)

2012 – SENIOR

  • Vice-Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (-63kg) – Venezuela
    • Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (Open) – Venezuela
    • Campeã Nacional Universitária: Aveiro (-70kg)
    • Campeonato Nacional Sub-23 – 3ª classificada
    • Campeonato Nacional – 2ª classificada (-63kg)

2013 – SENIOR

  • Open Lisboa – 1ª classificada (-70kg)

Vice-campeã Surdolímpica – Sofia (Bulgária) (-63kg)

  • Taça Int. Kiyoshi Kobayashi – 2ª classificada (-63kg)
    • Campeonato Nacional – 2ª classificada (-63kg)

2014 – SENIOR

  • Masters FPJ – 3ª classificada (-63kg)
    • Torneio “Mestre F. Costa Matos” – 1ª classificada (-63kg)
    • Campeonato Nacional – 3ª classificada (-63Kg)

2015 – SENIOR

  • 3ª classificada – Campeonato da Europa de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (-63kg) – Yerevan –Arménia
  • 3ª classificada – Campeonato da Europa de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (open) – Yerevan –Arménia

2016 – SENIOR

  • Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (-63kg) – Samsun – Turquia
  • Campeã do Mundo de Artes Marciais (categoria de Judo) para surdos (Open) – Samsun – Turquia
  • 2ª classificada – Taça Int. Kiyoshi Kobayashi (-63kg)

2017– SENIOR

  • 3ª classificada Torneio “Mestre F. Costa Matos” – (-63kg)
  • 3ª classificada – Jogos Surdolímpicos (-63kg) – Samsun – Turquia

2018– SENIOR

  • Campeonato Regional Sul – 1º classificada – (-70Kg)
    • Campeonato Nacional – 3ª classificada (-70 Kg)

2019– SENIOR

  • Torneio Open Seniores ADJL – 2ª classificada (-63 Kg)
    • Torneio XXVIII Torneio Open de Seniores – 3ª Classificada (-63Kg)
    • XXII Taça Internacional K. Kobayashi – 3ª Classificada (-63 Kg)
    • Campeonato Europeu de Surdos – 3º Classificada (-63kg)
    • Campeonato Nacional de Seniores – 2ª Classificada (-63kg)

2020– SENIOR

  • Campeonato Nacional de Seniores – 3ª Classificada (-63kg)
    • Participação European Judo Open Woman – N/C (-63Kg)

2021– SENIOR

  • Taça Internacional K. Kobayashi – 2ª Classificada (-57Kg)
    • Campeonato Nacional de Seniores – N/C (-57kg)
    • Campeã do Mundo de Surdos – 1ª Classificada (-57kg)

2022– SENIOR

Campeonato Nacional de Veteranos – 1ª Classificada (F1 -57 Kg

Campeã Surdolimpica – 1ª Classificada (-57 Kg)

Competições Surdos

2008 (Ainda Júnior) 

1ª Classificada Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (-63kg) – França 

1ª Classificada Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (Open) – França 

2009 (Ainda Júnior) 

1ª Classificada Campeã Surdolímpica – Taipé (China) 

2012 SENIOR 

2ª Classificada Vice-Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (-63kg) – Venezuela 

1ª Classificada Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (Open) – Venezuela 

2013 SENIOR 

2ª Classificada Vice-campeã Surdolímpica – Sofia (Bulgária) (-63kg) 

2015 SENIOR 

3ª classificada Campeonato da Europa de Artes Marciais para surdos (-63kg) – Yerevan –Arménia 

3ª classificada Campeonato da Europa de Artes Marciais para surdos (open) – Yerevan –Arménia 

2016 SENIOR 

1ª Classificada Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (-63kg) – Samsun – Turquia 

1ª Classificada Campeã do Mundo de Artes Marciais para surdos (Open) – Samsun – Turquia 

2017 SENIOR 

3ª classificada – Jogos Surdolímpicos (-63kg) – Samsun – Turquia 

2019 SENIOR 

3º Classificada Campeonato Europeu de Surdos (-63kg) Braashaat, Bélgica 

2021 SENIOR 1ª Classificada Campeã do Mundo de Surdos (-57kg) Versalhes, França 

2022 SENIOR Porta Estandarte da Missão Surdolímpica 1ª Classificada Campeã Surdolímpica (-57 Kg) Caxias do Sul, Brasil 

Fotos cedidas pelo Judo Clube do Algarve / Júlio Marcelino

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