Tashkent, oito dias que abalaram o judo

publicado 13 de outubro | JM | Carlos Ribeiro

O regresso do Sol Nascente

Vencedor nas medalhas e na prova por equipas mistas em Tashkent o Japão reconquistou a posição de nação dominadora do judo internacional. Um domínio que deixou de ser hegemónico, que assume a diversidade, revela as próprias fragilidades e adapta-se aos objetivos de globalização extrema da modalidade cada vez mais pressionada por interesses comerciais.

O chamado “síndroma de Geesink” que a partir de 1964 forçou os fundadores nipónicos a coabitar, numa base mais paritária, com os meros aprendizes dos restantes países, poderá finalmente ter desaparecido. Afinal o domínio absoluto será menos interessante que uma presença muito forte mas deixando espaço à expressão significativa das outras nações que também apresentam um judo poderoso. Mas do Japão e das suas expectativas imperiais nunca se sabe exatamente se está a dominar a corrente militarista ou o movimento mais pedagógico e mais cidadão na condução dos destinos do judo. Também neste domínio prevalece a regra do equilíbrio instável à imagem da prática desportiva nos diversos tatamis do mundo.

Equipas mistas, uma fórmula imbatível

A dinâmica de Tashkent aliás revela uma dualidade sempre saudável que combina continuidade com novidade. Veja- se uma França de novo finalista em equipas mistas mas alcançando apenas um titulo nas provas individuais. Veja-se uma China a disputar o bronze em equipas apesar de ter limitado a sua presença nas medalhas individuais à prata de MA nos -78kg femininos. Veja-se um Brasil forte e com bons desempenhos tendo conquistado ouro, prata e bronze mas que não foi além da primeira eliminatória nas equipas estando ausente das grandes disputas na arena coletiva.

Alguns poderão considerar abusiva à relação estabelecida entre as conquistas no plano individual e a progressão e os resultados na vertente mais coletiva. Trata-se de uma dúvida razoável, no entanto, numa avaliação mais “política” dos resultados globais torna-se incontornável atribuir um valor desproporcional e até desmedido à competição por equipas. Quer se queira quer não a fórmula “equipas mistas” surge como uma mais-valia no plano desportivo, no plano do espetáculo e ainda no plano político. Não nos espantaria, face aos negócios em grande aceleração no judo internacional, que a fórmula “equipas mistas” venha a torna-se dominante nas competições futuras da modalidade

As pequenas histórias de Tashkent

Abe vs Maruyama

Viram a final entre Hifumi Abe e Joshiro Maruyama em -66kg? Uma repetição de situações que no passado recente deram muito que falar. E espontaneamente ressurgiu aquela sensação fraturante que acompanha os espetadores dos grandes combates de desfecho imprevisível. O judo de Maruyama, com recursos técnicos e táticos únicos, desenha aos olhos do observador uma vitória inevitável a seu favor. No entanto, no final, Abe surge como um justo vencedor sem que o judo por ele apresentado tivesse justificado a derrota do seu opositor.. É uma espécie de vitória das sombras.

Nestes casos, tudo o indica, a lógica dos gigantes é baseada em leis próprias que não valerá a pena tentar descodificar.

Não é só ganhar. Importa saber como

O belga Casse e o georgeano Grigalashvili foram dois protagonistas de uma final que marcou o Campeonato do Mundo no Uzbequistão na categoria de peso de -81kg masculinos.. Ficou mais uma vez demonstrado que a um determinado nível da prática competitiva, quando o combate atinge a fase na qual a parte mental prevalece sobre a física a arte tática de dar confiança ao adversário, sem lhe dar a vitória, atinge níveis de subtileza inacreditáveis. Casse perdeu porque pensou que era a altura de ganhar. Esta abordagem leva-nos à interrogação dramática que consiste em interpelar “o desejo crescente de vitória”, quando equacionado numa base meramente comportamental, como uma eventual fragilidade do atleta competidor.

Jorge Fonseca falou em ganância nas explicações que procurou dar para as duas derrotas que o afastaram do pódio em Tashkent. Valeria a pena inverter a análise e por de lado uma leitura auto-desvalorizadora e até punitiva, muito na tradição judaico-cristã dos pecados mortais e da auto-flagelação para ter direito ao paraíso. Se Fonseca falar com Grigalashvili às tantas deitará por terra as teorias da má-intuição pecadora.

Quando os pequenos são gigantes

Matic e Cvjetko repetiram do lado croata a contenda internipónica da categoria de peso -66kg.masculina. Uma situação rara, com duas atletas do mesmo país a disputar o título mundial, o que numa escala comparativa, atendendo à pequena dimensão da Croácia, torna a proeza ainda maior.

Bárbara em beleza

Uma medalha de bronze num Campeonato do Mundo é sempre um excelente resultado para um país que tem entre 12.000 e 15.000 atletas federados e/ou praticantes. São números que em qualquer país das chamadas potências do judo correspondem à prática da modalidade num departamento ou área metropolitana de grande cidade.

O topo e a base

Às tantas o problema está na forma como se vê o problema. O problema são as medalhas ou é a base que fornece hipóteses de mais medalhas que surge como demasiado restrita? As duas dinâmicas em causa, uma base significativamente mais alargada de praticantes e uma estratégia de preparação mais participada dos atletas de Alto Rendimento, poderiam ter uma combinação mais ajustada. De qualquer forma a valorização do bronze de Bárbara Timo surge agora como tarefa imperativa. Sabemos que ela já foi prata nestas circunstâncias, mas este bronze não lhe fica atrás em termos de valor efetivo e simbólico.

QUADRO DE HONRA TASHKENT 2022 | OS CAMPEÕES DO MUNDO DE JUDO

Men – 60 kg

1TAKATO
Naohisa
 JPN

Women -48 kg

1TSUNODA
Natsumi
 JPN

Men -66 kg

1ABE
Hifumi
JPN

Women -52 kg

1ABE
Uta
JPN

Men -73 kg

1TSEND-OCHIR
Tsogtbaatar
MGL

Women -57 kg

1SILVA
Rafaela
BRA

Men -81 kg

1GRIGALASHVILI
Tato
GEO

Women -63 kg

1HORIKAWA
Megumi
 JPN

Men -90 kg

1BOBONOV
Davlat
UZB

Women -70 kg

1MATIC
Barbara
CRO

Men -100 kg

1TUROBOYEV
Muzaffarbek
UZB

Women -78 kg

1AGUIAR
Mayra
BRA

Men +100 kg

1GRANDA
Andy
CUB

Women +78 kg

1DICKO
Romane
FRA

Japão Campeão Mundial 2022 de Equipas Mistas

Fotos IJF© Kulumbelashvili Tamara, Feliantonio Emanuele

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