Livros com judogis imaginários

ENTREVISTA | Paulo Dourado, autor do livro “O silêncio é fácil”, conversou sobre judo e escrita connosco

Paulo Dourado no lançamento do livro “O silêncio não é fácil”

Paquito, do Sporting Clube de Portugal, foi o escolhido. Nos Jogos Olímpicos de Moscovo foi ele quem vestiu a pele de todos os competidores dos desportos de combate e que nos fez viajar até aos bastidores do pavilhão desportivo moscovita. Sem hesitar, subimos lado a lado com o pugilista Super Leve, até à arena. A ficção e a realidade realizavam tangentes impercetíveis e surpreendemo-nos a observar o próprio Henrique Nunes a dar um último aperto às luvas do boxeur. Para além do Tona, do Zé Branco e do Mendonça, em Moscovo, havia um Paquito a orientar. Quem conhece o mestre perfeccionista, cofundador do judo nacional, só podia ficar intrigado com aquela dedicação às artes de Mohamed Ali e de Belarmino.

Até que, Paulo Dourado nos interrompeu no nosso quase-delírio, nos fez cair na realidade e clarificou que estes ingredientes, mais ou menos imaginários, são as peças-chave da construção das ficções que estruturam os seus livros.

Judoca, advogado, autor, treinador de judo Paulo dedica uma parte significativa do seu tempo à paixão da escrita. Escreve sempre que pode e não é por acaso que é o primeiro a chegar ao escritório de advocacia e que, naquele período calmo da manhã, antes que os colegas comecem a chegar, dá corpo ao plano que esboçou na véspera para a nova ficção que surgirá nas livrarias quando ele colocar o ponto final na derradeira frase.

Paulo Dourado reparte o seu tempo entre o judo, a autoria de livros e a música. Já vai no seu terceiro romance com forte pendor policial e, como nos confessou, o quarto já está a ser programado. Utiliza muitos dos procedimentos do planeamento desportivo para organizar o processo produtivo dos seus livros. Cuida da coerência de todos os dados que são introduzidos na obra ao pormenor, como se estivesse a executar uma kata. Nada pode ser deixado ao acaso. Nestas suas preocupações de rigor encontramos o legado de uma prática do judo desde muito pequeno.

“Comecei ainda criança em Odivelas, com treinadores bem conhecidos como o Hélder Pontes e o Artur Mata. Participei em competições e até aos 17-18 anos, fui um praticante assíduo. Depois veio a faculdade, o curso, a licenciatura, a advocacia e a modalidade ficou prejudicada durante um largo período. Até que o Carlos Santos, mais tarde, me recuperou para treinar com os veteranos no Clube de Judo 2009, na Junta de Freguesia de Benfica” declarou-nos o autor de “A Noite em que olhei para ti” publicado em 2013 e de “O silêncio é fácil” recentemente e apresentado no Lisbon  Soho Club. De permeio houve ainda o “Escondidos no passado” em 2014.

“Depois de “A noite em que olhei para ti” (2013) e “Escondidos no Passado” (2014), editados pela Chiado Editora, o autor regressa com a pujança de escrita que o caracteriza e que leva o leitor a embrenhar-se numa história com personagens densas e caricaturais da sociedade contemporâ­nea, de onde só consegue sair quando confronta­do com a última página” assim é referido Paulo Dourado pela sua casa editora que destaca as personagens construídas pelo judoca-autor que também nos revelou que tem o privilégio de escrever sem ser para o grande público e que essa escala lhe permite recorrer à sua proximidade imediata, em termos de vida social, de prática desportiva e de compromisso profissional, para desenvolver quadros ficcionados que assentam em pequenas histórias ou situações da vida quotidiana.

“Só consigo escrever sobre os bastidores do boxe nos Jogos Olímpicos porque posso recorrer ao ambiente existente nos balneários, sempre turbulentos e cheios de vida, no final dos treinos no judo. No clube 2009 somos um grande grupo de veteranos, uma vintena, e entre nós existe acima de tudo um sentido do convívio e o prazer de estar juntos. Assim nos meus apontamentos para a escrita há muito dessa vitalidade que o judo proporciona. Estamos sempre a aprender e não faltam histórias e situações baseadas na prática do judo que podem ser extrapoladas para as ficções que vou criando. Assim, não sendo exclusiva às ligações ao judo, a criação literária que realizo bebe muito das personalidades e dos contextos específicos que o judo integra de forma sistemática” esclareceu o treinador de jovens judocas do 2009 que treinam na Quinta de Marrocos.

Clube de Judo 2009, veteranos habituados a medalhas

“Infelizmente no Pavilhão da Junta de Freguesia de Benfica não temos uma área de treino fixa. Temos que montar e desmontar os tapetes sempre que há treino. Mas esta operação logística já faz parte do ritual dos judocas mais antigos” relembrou-nos Paulo Dourado o que acontece no clube de judo orientado por Carlos Santos e em muitos outros, pelo país fora.

No final valorizámos a prática da escrita que, no caso da ficção, permite um olhar de soslaio sobre o próprio judo e que infelizmente ainda não se tornou prática corrente na modalidade. Escrever sobre experiências e sobre iniciativas promissoras do judo dos nossos dias constitui um dos desafios dos orientadores e praticantes de uma modalidade que precisa de ser mais badalada na praça pública para além dos seus feitos desportivos que prestigiam o judo nacional.

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