Um Europeu de Cadetes revelador das fragilidades do judo de formação
Só as duas medalhas salvaram o desaire que foi a participação no Europeu de Cadetes
Dois atletas de exceção, Maria Silveira e Rodrigo Janeiro, estão a servir de bandeira para os responsáveis da Federação Portuguesa de Judo declararem que os resultados registados na prova realizada em Odivelas, no fim-de-semana passado, foram os melhores de sempre e para escamotearem uma realidade que está a vista de todos: em Odivelas, em matéria de trabalho de seleção e de progressão do escalão CADETES, regrediu-se.
As medalhas isoladas não podem servir para tudo. A menos que seja esse o principal ou até o único objetivo de uma modalidade que pretende ter um desenvolvimento sustentado e consistente. Pondo de lado essa extraordinária conquista das duas medalhas, de ouro e de prata, o resto é francamente negativo. Pode-se optar por um modelo tipo Kosovo ou de alguns países cuja finalidade principal é ter valorização internacional através dos superatletas treinados para serem desportistas “representantes da nação”. Mas não será esse o modelo de desenvolvimento desejado.
Há muito tempo que se ultrapassou a fase de analisar os desempenhos em provas internacionais pelos resultados de atletas de exceção e de nível competitivo particularmente elevado. Maria Silveira e Rodrigo Janeiro eram candidatos a medalhas de forma natural. Desses dois cadetes da seleção que treinam no Sport Algés e Dafundo e no Sport União Sintrense, sabia-se que a sua presença no pódio, não surgindo nada de anormal, seria mais ou menos inevitável.
Na antevisão da prova Maria Silveira declarou-nos (JUDO Magazine) “Pode sempre acontecer alguma coisa. Temos de contar com isso. Mas tenho trabalhado muito e conto com um bom resultado. Se não acontecer nenhum imprevisto o ouro pode acontecer. O trabalho está feito. Já dei o meu melhor para chegar aqui., não só este ano mas também nos anos anteriores”.
78% dos atletas não venceram um combate
Mas ter 78% dos atletas participantes que nem sequer um combate ganham, isso sim é caso para refletir. Não está aqui em causa o empenho e o esforço de cada atleta. Antes pelo contrário. Está aqui em causa a tentativa de voltarmos ao discurso de há poucos meses “dos melhores resultados de sempre!”.
A linguagem é propagandística, com lógica de slogan e é dirigida a um público que aceita facilmente argumentos superficiais. Trata-se no entanto de uma forma de realizar balanços orientada para “os amanhãs que cantam”. Outros atletas de nível particularmente elevado também têm sido utilizados, noutras circunstâncias, para afirmar que “está tudo bem” está “tudo maravilha”. Mas as evidências do desaire nesta competição internacional são óbvias. 78% de uma seleção de 18 atletas não ganha um combate, teremos que admitir que há aqui algo que precisa de ser seriamente avaliado.
Comparar, ajuda a perceber
Se compararmos os resultados do Campeonato da Europa realizado em 2022 na Croácia com os deste ano as disparidades são evidentes!
O perfil de participação/resultados é relativamente comum aos diversos anos, com as inevitáveis oscilações. Temos tendencialmente atletas que vão mais longe, chegam até à repescagem em alguns casos, temos ainda atletas que vencem um primeiro e por vezes um segundo combate e cerca de metade que realiza a experiência de uma derrota logo no primeiro combate e que fica sem segunda oportunidade. Este perfil é relativamente comum e o trabalho é melhorar, progredir, ter mais atletas em cada grupo de progressão. Mas em Odivelas nada disto aconteceu. Regrediu-se em toda a linha. Constatou-se que não houve qualquer consolidação e muito menos progressão.
Veja-se o quadro abaixo e retirem-se as ilações que são devidas.
2023 | Resultados | 2022 | Resultados |
Margarida Trindade (-52 | Sem vitórias | Daniel Viegas (-50 kg) | Sem vitórias |
Mariana Pereira (-52 kg) | Sem vitórias | Gonçalo Lampreia (-55 kg) | 3 vitórias |
Maria Silveira (-57 kg) | 4 vitórias | Rui Anjos (-60 kg) | 1 vitória |
Maria Dias (-57 kg) | Sem vitórias | David Silva (-60 kg) | 1 vitória |
Matilde Jota (-63 kg) | Sem vitórias | Gonçalo Lourenço (-66 kg) | 1 vitória |
Carlota Pina(-63kg), | Sem vitórias | Rodrigo Janeiro (-66 kg) | 3 vitórias |
Beatriz Rosa (-70 kg) | Sem vitórias | Manuel Batista (-73 kg) | 1 vitória |
Rosa Mané (+70 kg), | 1 vitória | Francisco Pereira (-61 kg) | Sem vitórias |
Martim Nicola (-50 kg) | Sem vitórias | Gonçalo Loureiro (-90 kg) | Sem vitórias |
Afonso Reis (-50 kg), | Sem vitórias | Beatriz Carinhas (-40 kg) | Sem vitórias |
Diogo Caetano (-55 kg) | Sem vitórias | Matilde Gonçalves (-44 kg) | Sem vitórias |
Carlos Costa (-60 kg) | Sem vitórias | Inês Faria (-48 kg) | Sem vitórias |
David Silva (-60 kg), | Sem vitórias | Adriana Torres (-63 kg) | 1 vitória |
Rodrigo Janeiro (-66 kg) | 4 vitórias | Mariana Simões (-63 kg) | 2 vitórias |
Duarte Júnior (-73 kg) | 1 vitória | – | – |
Tiago Coutinho (-81 kg) | Sem vitórias | – | – |
Daniel Mazyar (-90 kg) | Sem vitórias | – | – |
Danilo Storozhuk (-90 kg) | Sem vitórias | – | – |
Total de vitórias % de vitórias /participantes | 10 55% | Total de vitórias % de vitórias /participantes | 13 93% |
Total de atletas com vitórias | 4 | Total de atletas com vitórias | 8 |
Total de atletas sem vitórias | 14 | Total de atletas sem vitórias | 6 |
% atletas com vitórias | 22% | % atletas com vitórias | 57% |
% atletas sem vitórias | 78% | % atletas sem vitórias | 43% |
Total de atletas com mais de 1 vitória | 2 | Total de atletas com mais de 1 vitória | 3 |
% de atletas com mais de 1 vitória | 11% | % de atletas com mais de 1 vitória | 43% |
Medalhas | 2 | Medalhas | 0 |
TABELA: Realizado por Judo Magazine, FONTE site UEJ
Editado 23h32 – dados relativos a Gonçalo Lampreia retificados e consequências nos totais