O judo tem que ser para todos
GRANDE ENTREVISTA – António Geraldes relembra os tempos dos Núcleos da DGD e do grande impulso a partir de 1976 (2)
Os Núcleos da Direção Geral dos Desportos, dos anos 70 do século passado, integram inquestionavelmente uma das fases mais importantes do desenvolvimento do judo nacional. António Geraldes foi um dos protagonistas mais relevantes dessa estratégia de promoção do desporto para todos que o 25 de Abril libertador veio colocar nas políticas públicas a partir da própria ação governativa. O desporto de uma forma geral e a prática desportiva organizada e tecnicamente enquadrada, no período do regime fascista, era privilégio das elites.
Helder Pontes e António Geraldes cruzaram-se. O primeiro era responsável pela implantação dos Núcleos no território nacional o segundo um jovem treinador de judo que estava disponível para ir para terras ribatejanas. E assim começou uma aventura que poderia ter acabado mal por causa de um toque, num estacionamento, no carro de Freitas do Amaral, que Geraldes provocou a conduzir uma carrinha da DGD. Mas tudo acabou bem porque o alarido que foi criado foi rapidamente contrariado pela calma e serenidade do nosso interlocutor. O judo pratica-se no tapete e não só.
Quantos Núcleos foram criados?
ALENTEJO
Nº 3 Moura-Escola Secundária, Nº4 Serpa – Centro Cultural.
COIMBRA
Nº 1 Lousã, Nº2 Condeixa, Nº3 Estádio Universitário, Nº 6 Figueira de Foz, Nº 9 Pedrulha, Nº10 Calhabé.
ÉVORA
Nº1 Juventude S. Clube, Nº2 Redondo , Nº3 Montemor-o-Novo , Nº4 Associação Bombeiros Voluntários , N6 Centro Cultural de Viana do Alentejo, Nº7 Reguengos de Monsaraz , Nº8 Estremoz, Nº9 Valverde , Nº10 Azaruja, Nº11 Borba, Nº12 Alcáçovas , Nº13 Vila Viçosa.
LEIRIA
Nº1 Judo C. Caldas , Nº2 Judo C. Samurai-Benedita , Nº3 Liceu de Leiria , Nº5 Peniche , Nº6 Batalha , Nº7 Marinha Grande , Nº8 Pombal.
LISBOA
Nº1 ISEL-Chelas, Nº2 , CDUL Nº3 Grupo de Judo Vilafranquense , Nº4 Soc.Int.Mus. Porto Salva , Nº7 Juv. Desp. Alhandrense , Nº8 Atlético Clube de Moscavide, Nº9 Grupo Desportivo da Azambuja , Nº10 Escola Secundária de Odivelas , Nº11 Grupo Desportivo Mira Sintra , Nº12 Grupo Desportivo da Tabaqueira , Nº13 Centro Social Musgueira Norte , Nº14 Centro Republicano Magalhães Lima , Nº15 Grupo Desportivo de Aveiras de Cima , Nº18 ISEF.
PORTALEGRE
Nº1 Ponte de Sor, Nº2 Escola Comercial e Industrial de Portalegre, Nº3 Elvense Sport Clube.
SANTARÉM
Nº2 Casa do Povo de Azinhaga , Nº3 Tomar , Nº4 Almeirim , Nº5 CM Zoa Alta – Torres Novas, Nº6 Ferreira do Zêzere , Nº7 União Desportiva Rossiense , Nº8 Vila Nova de Ourém, Nº9 Águias de Alpiarça, Nº10 Casa do Povo de Rio Maior, Nº11Judo Clube da Golegã, Nº 14 Clube Operário Meia-Viense, Nº15 Coruche, Nº16 Ginásio do Seminário, Nº19 S. Miguel de Rio Torto.
SETÚBAL
Nº1 Liceu de Santiago do Cacém , Nº3 Academia Almadense , Nº5 Liceu Nacional de Almada , Nº6 Pav. Gimnodesportivo de Sesimbra, Nº7 Ass. Bombeiros Vol. Costa da Caparica, Nº9 Estrela do Areal – Sines.
VISEU
Nº 3 Associação dos Bombeiros Voluntários de Lamego.
REGIÃO DE AVEIRO
Nº 1 Galitos de Aveiro, Nº2 Ílhavo, Nº3 Associação Vol. Bombeiros de Estarreja , Nº4 Escola Primária da Gafanha.
AÇORES
Nº1 Angra do Heroismo-Esc. Com e Industrial , Nº3 Angra do Heroísmo, Nº 2 Horta Esc.Preparatória do Faial , Nº2 Ponta Delgada-Lagoa, Nº 3, Ponta Delgada – Furnas Nº4 Ponta Delgada – Fajã de Cima , Nº5 Ponta Delgadas – Esc. Roberto Ivens.
MADEIRA
Nº1 Funchal, Nº2 Funchal.
INFO – Livro Manfred Birod*
O testemunho de Odivelas
Para ilustrar este quadro de lançamento e de progressão nada melhor que recorrer ao testemunho de um dos Núcleos iniciais como é o caso de Odivelas. O agora Judo Clube de Odivelas [fundado em 1984) teve origem no núcleo nº 10 da DGD.
“A partir de abril de 1974 a organização do desporto em Portugal sofreu uma grande alteração, em todas as modalidades desportivas, com a criação de Núcleos desportivos disseminados por todos os distritos, sem exceção (Portugal continental e Ilhas).
A DGD (Direção Geral de Desportos, atualmente IPDJ) formava os treinadores, escolhia, em cada distrito, locais que fossem de fácil acesso aos praticantes e apetrechava os locais de treino com material (tatamis e fatos, no nosso caso). A frequência era gratuita para todos (o pagamento aos treinadores/monitores e aluguer de instalações estava a cargo do Governo).
Foi assim que, em 1976, começaram as primeiras aulas de Judo em Odivelas, no Núcleo n.º 10 de Lisboa, nas instalações da Escola Secundária de Odivelas.
Mais tarde, alterações na política desportiva do país, levou à extinção desses Núcleos, o que motivou um grande abandono de praticantes, nas diversas modalidades.
Mas o “Núcleo” vinha a crescer e a desenvolver-se a todos os níveis, nomeadamente alcançando alguns títulos nacionais, e assim, em 1983 um grupo de praticantes, de pais e o treinador, decidiu atribuir-lhe personalidade jurídica, constituir-se legalmente como clube, e a 22 de fevereiro de 1984 foi fundado o JUDO CLUBE DE ODIVELAS” informa o Clube de Odivelas nas Redes Sociais relembrando o seu passado que assume com orgulho.
Primeiro registo fotográfico dos primeiros tempos da atividade em Odivelas
Os receios de António Geraldes
Dinamizador de ações e formador de clubes, treinadores e atletas – recorde-se que atletas como Pedro Soares, Eduardo Garcia, Filipa Cavalleri foram seus alunos nos diversos clubes que orientou, com destaque para a Associação Académica Estrela da Amadora – António Geraldes exprime um certo receio em relação ao futuro do judo. “Há clubes que ainda não abriram as suas portas a um judo que possa ser praticado por todos. Existe mesmo uma excessiva valorização do rendimento ao ponto de alguns excluirem quem não tem potencial para competir. Estas tendências funcionam a par de outras que colocam de lado os aspetos filosóficos da modalidade. Podemos afirmar que existem aspetos regressivos que poderão por em causa o futuro do judo. O mais grave é a perda de valores, mas logo a seguir vem a redução das técnicas ao mínimo necessário para ganhar combates. Hoje a força coloca-se em primeiro lugar e só depois vem a técnica de projeção e de imobilização”.
Aprender com os mestres
António Geraldes já passou por situações que não passariam pela cabeça de ninguém ligado ao judo como foi o caso de jovens organizadores de provas no INATEL o convidarem para sair das zonas técnicas porque aqueles espaços estariam reservados para treinadores. “Não conhecem as pessoas anteriores às suas gerações. Isto revela que a memória do judo está a perder-se e com ela o sentido do respeito pelos mestres” comentou.
Numa situação oposta, António Geraldes relatou-nos uma situação que aconteceu no Kodokan, em Tóquio, há uns bons anos atrás. À hora de almoço, quando os restantes colegas de treino tinham realizado uma pausa, Manuel Martins e ele próprio mantiveram-se no tapete e continuaram a treinar. Passou um “velhinho” vestido com fato completo e sapatos de cidade que os observou à passagem. Regressou algum tempo depois e descalçou-se. Juntou-se aos “estudantes de kata” e corrigiu algumas posições. Insistiu em algumas formas de realizar as técnicas em estudo. Depois saudou os presentes, voltou a calçar-se e desapareceu. Tratava-se Ishiro Abe uma das figuras mais importantes do Kodokan.
“Nesta forma de agir reconhece-se o sentido do mestre. Aquele que sabe e que está sempre disponível para apoiar o desenvolvimento de quem quer aprender”.
Um percurso e uma visão humana das relações interpessoais
António Geraldes, 72 anos, 7º DAN, com uma família judoca e com responsabilidades no seu clube e em projetos de treinadores amigos, iniciou a prática do judo em 1966. Não se esquece daquele vizinho de Belém que treinava no Judo Clube de Portugal e que o levou a Campo de Ourique para experimentar. Depois foram as inúmeras experiências que o levaram a conhecer Raimundo Silva, Carlos Oliveira, José Manuel Bastos Nunes, Fernando Costa Matos, Henrique Nunes, Polido, Torok e muitos outros que rechearam o seu reservatório de competências como judoca e como homem.
Regressou da Guerra Colonial, já depois do 25 de Abril, com inúmeros problemas que prefere não explicitar. O que aconteceu com a oportunidade de participar no lançamento dos Núcleos da DGS foi determinante para seguir em frente e enfrentar todas as batalhas que passou a travar com otimismo e com um espírito saudável. Uma coisa é certa, o judo foi e é a sua vida!
Elementos do espaço museu que António Geraldes organizou na sua casa
Encerramos, com esta segunda parte, a GRANDE ENTREVISTA a António Geraldes.
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Fotos © Judo Magazine
Fontes António Geraldes e *Manfred Birod “Judo Treino, Técnica e Táctica” 1982