Hélder Pontes “O reestruturador”

GRANDE ENTREVISTA | O desporto tem que estar ao serviço do Homem (2)
Na segunda parte da Grande Entrevista JM percorremos o quadro político que se vivia no período do lançamento dos Núcleos da DGD, as atividades relacionadas com os equipamentos e com as iniciativas de divulgação e promoção no território nacional.


GRANDE ENTREVISTA
Hélder Pontes
O judo cresceu no país do pós-25 de Abril graças às novas políticas públicas para o desporto e ao impulso de pessoas muito concretas que vestiram a camisola e palmilharam Portugal de lés-a-lés.
Avelãs Nunes era o Secretário de Estado
Os Governos Provisórios, logo a seguir ao 25 de Abril, foram tomando posse e caindo a um ritmo que contrastava com a duração de um regime fascista que sobreviveu durante 48 anos. Alguns duraram pouco mais de dois meses. Mas na Secretaria de Estado dos Desportos e da Ação Social o jurista e futuro catedrático jubilado da Faculdade de Direito Avelãs Nunes aguentava firme e as estratégias de desenvolvimento do desporto foram fazendo o seu caminho. Mais tarde nos Governos Constitucionais verificou-se uma grande instabilidade na execução das ações relacionadas com os objetivos do Plano de Desenvolvimento.
Cada modalidade adotou o seu Plano específico para realizar as ações necessárias para a concretização do Plano Nacional. A Direção Geral dos Desporto era muito clara: tratava-se de democratizar a prática desportiva. Para tal “contratou um conjunto de técnicos para que, no âmbito do seu setor, propusessem as soluções mais adequadas à realidade nacional” afirmava-se no documento. Havia uma preocupação fundamental em trabalhar para os mais jovens de todas as classes sociais e para a formação de técnicos. Paralelamente tornou-se indispensável tratar dos equipamentos desportivos e dos materiais didáticos nos quais, entre outros objetivos, visava-se a divulgação das boas práticas das modalidades a nível regional. Uma das opções relevantes estava inscrita no Plano de Desenvolvimento do JUDO “fomentar a pulverização de pequenos clubes e atribuir-lhes um papel fundamental como fatores de desenvolvimento comunitário”.
Note-se ainda que o Plano de Desenvolvimento Desportivo à escala nacional era entendido como parte integrante “de um conceito do desporto como ação cultural [desporto-cultura]”. Em nota final do Plano aponta-se um caminho “Porque se pretende que os efeitos desta ação se dirijam a toda a população nacional, as comissões convidam, praticamente, animadores, dirigentes, educadores, sindicalistas, políticos, movimentos democráticos e poderes públicos a tudo fazer para que se desenvolva em Portugal – Um desporto ao Serviço do Homem”.






Tapetes de judo à medida do freguês
Uma das ações mais emblemáticas desta fase de trabalho e animação dos processos de desenvolvimento tem a ver com o fabrico de tatamis por encomenda em fábricas e empresas que na ocasião produziam em domínios técnicos relativamente próximos como os colchões, as espumas, os tapetes, etc.
Uma das empresas que foi envolvida nessa aventura de fabricar material concebido por japoneses para a prática do judo foi a Bom Repouso em Runa, Torres Vedras, que se mantém como Cooperativa Operária e continua a fornecer o mercado dos colchões, espumas e outros.
A Casa Senna – Artigos de Desporto que esteve instalada na Baixo (Chiado) durante anos a fio e que tem agora a suas instalações em Queluz foi também mobilizada para estas práticas pouco convencionais de fornecimento de equipamento para o desporto. “Casa Senna, fundada em 1834. Reconhecida pelo rei Dom Carlos, que a nomeara fornecedora “de bilhares e jogos diversos” da Casa Real, bem como por múltiplas entidades desportivas que escolheram a qualidade dos seus produtos, a Casa Senna fechou as portas no número 46 da Rua Nova do Almada, na Baixa lisboeta” como noticiou o jornal Público.
Também a SOCIDEL que tinha loja perto da Casa Senna esteve envolvida nos processos experimentais de produção. Sob o olhar atento de Hélder Pontes fizeram-se testes de prensagem procurando que no final o tatami tivesse uma espessura adequada.




Colchões Bom Repouso (Runa) e Casa Senna (Baixa – Chiado Lisboa).
Os dados do judo
A informação sobre a modalidade começou a ter alguma sistematização e a relação entre a Federação Portuguesa de Judo e a Direção-Geral-dos Desportos constituía uma autêntica mais-valia. A título de exemplo veja-se a informação sobre a evolução entre 1969 e 1973/1974:
Anos | 1969 | 1970 | 1971 | 1972 | 1973 | 1973/74 |
Número de clubes | 28 | 38 | 53 | 62 | 71 | 83 |
Atletas | —– | 873 | 971 | 1870 | 1982 | 3562 |
Instrutores | 18 | 26 | 28 | 32 | 38 | 36*(a) |
Árbitros | 31 | 34 | 42 | 55 | 53 | 24*(b) |
Cronometristas | 17 | 21 | 70 | 85 | 147 | 159 |
Cintos Negros | 67 | 73 | 79 | 83 | 87 | 91 |
Em termos regionais, considerando os escalões etários.
Regiões | Centros | sen. | jun. | esp. | juv. | infant. | fem. | total prat. |
Abrantes | 4 | 20 | 8 | 16 | 35 | 15 | 7 | 101 |
Almada | 3 | 30 | 14 | 11 | 51 | 74 | 38 | 218 |
Beja | 1 | — | — | — | — | — | — | —a) |
Coimbra | 1 | 18 | 21 | 11 | — | 3 | 4 | 57 |
Évora | 1 | 4 | 4 | 1 | 1 | — | — | 10 |
Guimarães | 1 | 1 | — | — | — | — | — | 1 b) |
Lisboa | 40 | 308 | 228 | 149 | 464 | 695 | 316 | 2240 |
Ponta Delgada | 1 | 6 | 7 | 8 | 14 | 17 | 1 | 53 |
Póvoa do Varzim | 1 | 3 | 2 | 1 | 1 | — | — | 7 |
Porto | 7 | 70 | 56 | 19 | 43 | 46 | 27 | 260 |
Portimão | 1 | 7 | 1 | — | 6 | 3 | 2 | 19 |
Santarém | 4 | 10 | 9 | 3 | 19 | 8 | 8 | 67 |
Setúbal | 2 | 9 | 13 | 6 | 10 | 13 | 10 | 61 |
Ultramar (ex-colónias) | 10 | 147 | 49 | 37 | 78 | 76 | 71 | 458 |


Uma carrinha em campanha
A atividade de acompanhamento e de dinamização obrigava a deslocações permanentes pelo país. A equipa saía como se fosse uma equipa do INEM.
Arrancaram para o Algarve para desbloquear a constituição da Associação Distrital. O responsável algarvio pelo registo no notário nunca mais concretizava o acto. Quando chegaram à região algarvia perceberam a situação “Dos 16 que fazem parte só consigo levar 13 para assinar. Isto está muito complicado” informou. Foi então que foi clarificado que a presença no notário de três membros da lista chegava perfeitamente. E lá avançou a associação cuja constituição formal estava bloqueada por um pormenor quase inacreditável.
De vez em quando era preciso levar o judo a terras remotas e realizar demonstrações. A carrinha voltava à estrada, com material e técnicos. Numa dessas deslocações a RTP acompanhou-os. Os jornalistas queriam saber o que eram exatamente estas apresentações do judo em terras do interior, lá onde o desporto era assunto apenas de alguns. Foram até à Guarda. Meteram-se numa estrada que aparentava não levar a lugar nenhum. Não havia largura para fazer inversão de marcha e percorreram, já noite cerrada, um bom par de quilómetros em marcha atrás. A carrinha levava-os até ao fim do mundo, mas havia limites. Nessas andanças procuravam apoiar Grupos Informais de praticantes que poderiam evoluir para clubes ou grupos desportivos.
Para além do judo
A experiência de Hélder Pontes não se limita ao período de atividade na Direção Geral dos Desportos que foi marcada pelo apoio ao desenvolvimento do judo em várias regiões do país. Nas tarefas de organização e dinamização contou sempre com o apoio de judocas dedicados como é o caso de Artur Mata em Lisboa, de António Geraldes na região de Santarém, de Pedro Gonçalves em Coimbra e de muitos outros. Teve sempre missões ou de lançamento de novas atividades ou de reestruturação de instituições ou associações. A sua lógica de atuação acaba por assentar numa visão relativamente simples e pragmática: o que fazemos deve estar orientado para beneficiar os utilizadores finais. Se agimos no quadro do desporto, devemos focar-nos nos atletas e nas suas necessidades. No judo o desafio é exatamente igual, ou seja, colocar as vontades e os recursos ao serviço dos judocas.
Recentemente o Município de Odivelas decidiu destacar o papel de Hélder Pontes no desenvolvimento do desporto no concelho, homenageando-o publicamente. Os receios do nosso anfitrião do apagamento voluntário e propositado de todo um período de políticas públicas para o desporto nacional podem ter alguma justificação mas pelos vistos, dele, como protagonista dessas políticas não será o caso. A História do Judo, por sua vez, considerará esta fase como decisiva para o desenvolvimento da modalidade tendo beneficiado do élan do 25 de Abril cujos 50 anos serão comemorados ao longo de 2024.

Hélder Pontes em Entrevista ao Judo Magazine
Fotos© Judo Magazine