25/04/2025
M13

GRANDES ENTREVISTAS – Artur Mata [segunda parte]

Entrevista conduzida por Carlos Ribeiro

O ginasta que virou judoca 

Muito jovem Artur Mata andava pelo 86 da rua do Passadiço onde os atletas da secção de ginástica do Sporting Clube de Portugal eram orientados pelos Prof. Reis Pinto ou Moura e Sá. Naquela altura esforçava-se por aprender as artes do plinto e dedicava-se ao aperfeiçoamento dos saltos ao eixo. Mas a aventura com os leões durou pouco tempo. Um dia foi levado por um amigo ao dojo do Judo Clube de Portugal e rapidamente trocou os ténis pelas chanatas. O judogi passou a ser a camada superior do seu epiderme. 

Artur Mata acolheu o Judo MAGAZINE de porta e coração abertos

Quando o pagamento da renda, já era um problema 

Os clubes de judo nos anos sessenta viviam, mas sobretudo sobreviviam, graças à conjugação de diversos fatores entre os quais se contavam o envolvimento e o empenhamento dos próprios atletas que acabavam por dar um contributo pessoal na matéria. Um dia, no JCP, foi necessário encontrar um avalista para dar garantias ao senhorio relativas ao pagamento da renda das novas instalações. Os irmãos Mata, cuja área de preocupação diária era a venda de livros, foram chamados a dar um suporte de confiança aos judocas lisboetas. Lá reuniram e responderam de forma positiva à chamada. Assim se teciam laços de compromisso e de apoio mútuo que para além do mais injectavam uma carga significativa de calor e valor humano nas instituições. 

A reunião dos cintos negros 

Costa Lopes, então Presidente do Judo Clube de Portugal, admitiu que estaria na altura de formar uma Comissão de Graduações e decidiu organizar uma reunião com todos os cintos negros para debater o assunto. Marcou o encontro para um sábado de manhã. Nesse dia também apareceu o Comandante Fiadeiro sobre quem recaiam algumas suspeitas de ligações cúmplices com o regime salazarista. O grupo de presentes começou por realizar um aquecimento, de seguida e sem programação especial, realizou exercícios técnicos e o tempo foi passando até que a aula de judo foi dada por terminada. Ninguém comentou o facto da reunião não se ter realizada, isto porque existia uma interpretação coletiva tácita sobre as cautelas que deveriam ser exercidas quando estava em causa a proibição “de reunião e de ajuntamento de mais de três pessoas”. Não fosse o diabo tecê-las e uma reunião sobre judo ser mal interpretada e provocar os sarilhos indesejados. 

Os ziguezages do judo 

Artur Mata confessa “Seria incapaz de contar os quilómetros que fazia naquela altura por causa do judo. Depois de trabalhar na loja dava aulas na Academia da Amadora, depois veio Odivelas e tinha ainda um colégio. Como era árbitro internacional, ao domingo estava quase sempre de serviço. Os meus filhos foram criados pela minha mulher. Mas tive o prazer de ensinar atletas como a Teresa Gaspar que foi a primeira mulher judoca portuguesa a participar nuns Jogos Olímpicos, a Paula Pontes que foi 7 vezes campeã nacional e muitos outros. O judo mobilizava todas as nossas energias. 

Publicações que orientaram o estudo do judo pelos praticantes mais antigos

A sede do Odivelas  

Sempre foi na casa do Hélder Pontes. Surgiam mudanças e alterações no funcionamento do clube, mas a sede foi-se mantendo na casa dele. Há pouco tempo quis libertar-me de uma série de troféus e taças e o Hélder pegou no carro, carregou e levou para um sítio bem melhor que este, aqui em casa. Mantenho uma relação muito forte com os atletas que fui preparando e acompanhando ao longo dos anos. Recebo telefonemas de Macau, do Brasil e de muitos outros sítios. Alguns gostam de me contar o que andam a fazer, como nos tempos do judo. Trata-se de uma relação muito especial. E neste capítulo do Odivelas importa relembrar que ganhámos a Taça de Portugal. Foi uma vitória inesquecível. 

No piso dos livros, dos diplomas e medalhas 

Subimos ao piso superior. Não faltavam troféus e as fotografias eram sem conta. Algumas históricas, com um significado muto particular. No meio deste cenário repleto de evidências das conquistas alcançadas surgiu uma pérola que nos relançou no universo do livro. Um certificado da Tipografia onde Gutenberg imprimiu a primeira bíblia que Artur mata obteve aquando de uma visita a Mainz, na Alemanha. Uma certificação que na circunstância adquire um valor ainda maior por ter Artur Mata dedicado a sua vida, a par do judo, aos livros que também povoam as estantes do piso onde nos encontramos. 

Diplomas e certificados , com destaque para a nota produzida em 1968 no kodokan

Karim, o médico facilitador 

Um dia no Judo Clube de Portugal apareceu o Raimundo e um miúdo franzino que começou a treinar. Ao fim de algum tempo deixei de o ver. Acontecia com muitos jovens que iam para a faculdade para realizar os seus estudos superiores. 

Houve então um período no qual as questões de saúde me afligiram muito. Cheguei mesmo a uma situação que tive de ser operado com máxima urgência. Acontece que o médico que o poderia fazer ia de férias, Raposo, era o seu nome, e não haveria alternativa senão esperar. Mas a gravidade era tal que aguardar pelo regresso não era solução. Procurei alternativa e fui a uma consulta no Centro de Saúde. Quanto entrei no consultório deparei-me com o tal jovem franzino que conhecera no JCP. Era o Dra. Karim. 

A partir daí tudo se alterou. Ao ponto do cirurgião que ia de férias ter adiado a sua partida e ter operado com sucesso. Ele o médico-judoca eram amigos. Às vezes o judo pode ter esta importância. Liga pessoas que se tornam decisivos para as nossas vidas.  

As pessoas do judo 

Não há dúvida que o dojo de um clube de judo torna-se também um espaço de encontro e de construção de amizades. 

Tive a sorte de conhecer O Zeca Afonso que treinava na aula aberta e que chegou a cinto azul. Estava inscrito no Judo Clube de Portugal. Também tive o privilégio de lidar com o Henrique Nunes, o Costa Matos, o Geraldes. O primeiro era um apaixonado pelo judo, o segundo era militar, não dobrava e o terceiro era mais flexível, mas rigoroso. Gostava das aulas do Henrique Nunes ao sábado, era aí que treinava o meu tomoe-nage. Aprendíamos muito uns com os outros. Recordo-me que era um tempo marcado peloa presença nos treinos do João Paulo Mendonça. 

As memórias inscritas em álbuns fotográficos é prática corrente nos judocas mais antigos e experientes como é aqui o caso de Artur Mata

E nós, Judo Magazine tivemos a sorte [e o privilégio] de conhecer Artur Mata, Mestre de Abril e Mago de Odivelas. Fotos © Carlos Ribeiro. FIM DA GRANDE ENTREVISTA

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