Na carrinha da polícia até ao Trocadero
PARIS 2024 – PEQUENAS HISTÓRIAS DO JUDO OLÍMPICO [4]
Judo Magazine em Paris
Depois da validação da acreditação no Aeroporto de Orly o objetivo era passar pelo Media Center, na Porte Maillot, para consolidar o acesso à Cerimónia de Abertura dos Jogos. E assim foi. O tempo era escasso, mas suficiente. Teria sido possível concretizar os objetivos estabelecidos não fosse a maldita chuva. Tudo se estava a complicar nas proximidades do Trocadero e os transportes públicos nunca facilitavam soluções de proximidade. Impunha-se uma caminhada, debaixo de chuva entre a Praça Victor Hugo e a Avenida Paul Doumer, onde estaria localizada a porta de acesso dos jornalistas.
A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos vista do Trocadero
Na paragem do bus
Numa paragem de BUS foi possível beneficiar de um abrigo e aferir do bom sentido da marcha. Os dispositivos de orientação confirmavam a rota, mas com algumas imprecisões. Não sei se foi a lanterna do telemóvel que chamou à atenção, mas uma coisa é certa, apareceram quatro polícias armados com metralhadoras e com ar de poucos amigos. As perguntas iniciais foram aquelas que os sistemas de segurança no espaço público impõem e o mais graduado olhou para a credencial que eu decidira pendurar ao pescoço poucos minutos antes à saída do Metro.
Portugal? Você é português? Perguntou-me em língua de Voltaire e depois de eu confirmar começou a falar comigo em português do Brasil. Jerome tinha vivido oito anos em São Paulo. Adorou a sua estadia que interrompeu por razões de saúde da mulher. A boa disposição surgiu repentinamente no grupo. O ar inquisitorial inicial tinha desaparecido. Todos se debruçaram sobre mapas e GPS para encontrar as indicações necessárias à continuação da marcha rumo ao Trocadero. Nenhum deles era de Paris. Tinham sido requisitados e pouco sabiam das ruas e avenidas da capital. Passou uma carrinha branca com a identificação da Polícia e Jerome fez sinal para parar. A conversa foi rápida e a conclusão foi-me comunicada de imediato: vamos aproximá-lo o mais possível do acesso, mas existem várias barreiras policiais e não sabemos até onde será possível encaminhá-lo. Mas pode entrar, o agente leva-o.
Na primeira barreira
Assim, sem tirar nem pôr, encontrava-me a circular em Paris, numa carrinha da polícia enquanto chovia a potes lá fora. Christophe era da Brigada de Prevenção e Ataque ao crime no 19º arrondissement e confessou-nos durante o percurso “Estamos em funções de vigilância, sem responsabilidades concretas. Para nós é como se estivéssemos de férias. Andamos para trás e para a frente sem objetivos muito precisos. Não estamos habituados a este tipo de funcionamento”. Atingimos pouco depois uma primeira barreira. Uma mulher-polícia mandou parar e depois de aberto o vidro do meu lado, o agente Christophe apresentou a situação e referiu no meio da informação que eu estava ligado ao judo. A nossa interlocutora ainda antes de se pronunciar sobre a nossa eventual progressão na avenida adiantou que tinha dois filhos no judo e que ela própria tinha praticado a modalidade na fase de preparação para a atividade policial. Perguntou-me se os japoneses iam ganhar, conversámos em torno do tema e no final deu indicações ao condutor para avançar até à próxima barreira no cruzamento seguinte.
Na segunda barreira
Chegámos junto de umas grades e aguardámos a aproximação de uma dupla de agentes, que seriam militares ou então membros de corpos especiais da polícia francesa. O mais ativo olhou para o interior da viatura, trocou impressões com o agente Christophe e interpelou-me“Ribeiro? Que coincidência, é o nome da família da minha mulher que se chama Anne-Marie e que é voluntária nos Jogos Olímpicos no setor de informática. Lamentamos, mas não pode continuar de carro, mas alguém vai acompanhá-lo até à entrada do evento. São pouco mais de 200 metros”. Despedi-me do agente Christophe com um obrigado em português que ele, por sua vez, repetiu para treinar a língua de Camões.
Estava agora a ser escoltado por dois agentes armados que caminhavam lentamente. Quando entrei na área da Cerimónia de Abertura no Trocadero percebi rapidamente que o mais importante era abrigar-me e cuidar de mim. Informaram-me que já não havia capas de plástico para proteção da chuva.
A chuva esteve presente do início ao fim da cerimónia de abertura de Paris 2024
O barco com a comitiva portuguesa no rio Sena passava num dos grandes ecrãs e o ambiente, apesar da chuva, era de festa. Não sei se a noite ficará inesquecível pela Cerimónia de Abertura chuvosa ou se pelo percurso que me levou até ele. Uma coisa é certa ser português e ter relações com o judo é passaporte garantido em qualquer parte do mundo.