16/09/2024

PARIS 2024 – Pequenas histórias do judo olímpico [7]

Judo Magazine em Paris

Nas ruas e nas avenidas da capital francesa, nas proximidades dos eventos do Paris 2024, os voluntários informavam, sinalizavam direções, esclareciam percursos de transportes públicos, cuidavam do visitante para que ele se sentisse acompanhado e apoiado. 

Os grupo de voluntários funcionaram por brigadas com missões atribuídas todos os dias logo pela manhã

Uma curiosidade natural levou-nos a procurar perceber o que levou cerca de 40.000 pessoas a oferecerem-se para funções de assistência no quadro deste acontecimento único que são os Jogos Olímpicos.  

Mounir, o andebolista

Logo a seguir à saída do Metro La Motte Picquet Grenelle um pequeno grupo indicava o caminho para a Arena Champ de Mars. Uma luva plastificada, com um dedo indicador desproporcionado, apontava a rota a seguir.  

Estava adiantado na hora para ocupar um lugar na Tribuna Press entre as dezenas de jornalistas que faziam cobertura do judo, tinha antecipado de meia-hora a programação da jornada porque a enchente estava garantida com a presença de Clarisse Abgegnegnou entre as competidoras. Decidi beber um café no La Gauloise. Tinha uma hora à minha frente e sentei-me junto ao balcão. Ao meu lado bebia-se chocolate quente e conversava-se sobre a jornada anterior dos Jogos.

De repente o meu vizinho de balcão ficou sozinho a acabar a sua bebida quente. Quando lhe perguntei se ia para o judo, para a Arena Champ de Mars, respondeu-me que não. A sua missão naquela jornada seria apoiar as partidas dos autocarros para a Aldeia Olímpica controlando os direitos de acesso dos promitentes viajantes para Saint-Denis. Mounir justificou a sua presença nesta atividade pela paixão pelo desporto. Praticou andebol numa equipa da segunda divisão e não conseguia esquecer a adrenalina dos grandes jogos, sobretudo os da reta final do campeonato. Mostrou-me as marcas das lesões no seu corpo e confessou que continuaria se não tivesse sido uma fratura, grave e até complicada, que levou o médico do clube a aconselhar que arrumasse as botas. Hoje voluntário nos Jogos Olímpicos de Paris, amanhã transportador dos atletas mais jovens do seu clube para jogos de andebol na Île-de-France. 

 Mounir vive o desporto como uma salvação “no desporto somos humanos, não estamos a olhar para o telemóvel horas a fio. Competimos uns com os outros, mas o mais importante é estarmos juntos, encontramo-nos. Não há nada melhor para, no dia a seguir, ir trabalhar com alguma motivação. Se não fosse o desporto há muito que a minha vida teria deixado de ter sentido”. Despedimo-nos com uma promessa vaga de uma visita a Portugal no próximo ano “Le Portugal c´est le pied!” rematou com um grande sorriso no meio das saudações de despedida. 

Cafés de Paris, La gauloise

Yumi, a intérprete

A sala de imprensa estava reservada para uma sessão com os jornalistas japoneses. O afastamento precoce de Uta Abe, nas eliminatórias de –52 kg, justificava a curiosidade da comunicação social nipónica e havia a promessa que a atleta iria comparecer para dialogar com os jornalistas. 

Uma área restrita para a comunicação audiovisual com direitos de imagem e o exclusivo das perguntas para a televisão japonesa levou-nos a interessar-nos mais pelos protagonistas da sessão do que pela sessão propriamente dita.

No meio do  pequeno grupo de voluntárias que controlava os acessos encontrava-se Yumi. Com origens japonesas tinha sido selecionada para as atividades envolvendo a comitiva nipónica. O seu filho mais novo praticava judo desde os 5 anos de idade “precisava de ser enquadrado e disciplinado. Era muito irrequieto e dispersava-se com muito facilidade” adiantou-nos. Perguntámos se não deveriam ser os pais a terem que ser enquadrados e disciplinados para saberem acompanhar a criatividade do filho, e ela riu-se demoradamente. Reafirmou que o judo criava hábitos saudáveis de autocontrole, que o seu filho não deveria fazer o que lhe apetecesse, quando lhe apetecesse. De novo questionámos Yumi sobre o método que parecia mais militar que pedagógico e ela confirmou-me que o seu marido era militar de carreira. Perguntámos-lhe se ela tinha ouvido falar de Maio 68, já que estávamos em Paris e ela riu-se à gargalhada. Os seus pais tinham vivido esses dias loucos da primavera parisiense e tinham saudades desses tempos. Acabámos por lhe sugerir que falasse ao filho das histórias dos avós e das experiências inesquecíveis da “conquista do impossível”. E que continuasse a levar o filho ao judo, uma modalidade magnífica, mas que não deixasse de passear, com ele, pela Praça da Sorbonne e de falar de Sartre, de Beauvoir, de Camus e já agora de Haruki Murakami. 

Despedimo-nos e ela ainda ousou uma pergunta: diga-me, quem é esta Uta Abe? 

Membros da comitiva japonesa e voluntários no Champ de Mars

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