Fechar a porta de Paris 2024
Estes Jogos ficarão na memória como diferentes e emocionantes, mas também como dramaticamente iguais nas matérias mais negativas
Destes Jogos Olímpicos retemos alguns pontos fortes que são inesquecíveis em termos globais mas também setoriais como é o caso do judo. Mas não podemos nem devemos omitir os temas críticos e até polémicos que estiveram presentes em várias ocasiões para mantermos uma atitude cidadã esclarecida e exigente face às grandes operações que sabemos serem palco, a par dos desportivos, de embates políticos, económicos, ambientais e sociais.
Paris, os Jogos 2024
A dimensão política
Estes Jogos caíram em cima de uma crise política em França originada pelos resultados eleitorais da última votação para a Assembleia Nacional que criaram uma situação inédita de dispersão dos votos por partidos de todas as correntes politico-partidárias. Assim ficou dificultada a constituição de um governo em bases estáveis. Este acontecimento sendo um elemento marcante do período do arranque dos Jogos não teve qualquer influência no seu funcionamento.
Já os conflitos armados que se verificam principalmente na Ucrânia e em Gaza-Israel tiveram implicações no sistema de segurança que Paris adotou para a circulação na cidade e em especial nas proximidades das áreas reservadas às provas.
As questões políticas no desporto
No plano político-desportivo a ausência dos atletas da Rússia e da Bielorussia e a participação, sem qualquer restrição, dos representantes de Israel teve o seu impacto nos dois campos. No político, o tratamento desigual de situações que aparentam ser idênticas provocou protestos sobretudo porque parte dos atletas israelitas são militares. No desportivo, na disputa das medalhas, nomeadamente no judo, a ausência de Tasoev nos +100 kg legitima a dúvida sobre a conquista inquestionável da medalha de ouro por parte de Teddy Riner. Tasoev ocupava a segunda posição no ranking olímpico, a 5 pontos do primeiro, Kim da República da Coreia e contava com mais de 1200 pontos que Teddy Riner que ocupava a 7ª posição na mesma lista de classificação.
Outro acontecimento, neste campo sempre muito delicado, foi a coragem de Kimia Yousofi, atleta afegã que correu os 100 m, em atletismo, no Stade de France no dia 2 de agosto e que enviou uma mensagem para todo o mundo sobre o regime dos talibãs que exerce uma repressão bárbara sobre as mulheres do Afeganistão. Kimia, que vive na Austrália e que representou o seu país nos Jogos do Rio de Janeiro integrou, em Paris, uma delegação de 5 atletas, 3 homens e duas mulheres, selecionados pelo COI. Os talibãs instalados em Cabul reconheceram apenas os 3 homens que representaram o país. Por sua vez o COI não autorizou a participação de qualquer representante do Afeganistão nos Jogos Olímpicos de Paris.
Dayle Ojeda, judoca cubana que acompanhou a sua colega Idalys Ortiz como parceira técnica, não regressou a Cuba depois de terminada a sua missão e refugiou-se em Valência, Espanha. A judoca tomou esta decisão com o apoio de amigos e colegas europeus e já se encontra a treinar no Centro de Treinos para o Alto Rendimento da cidade-capital da Comunidade Valenciana. Ojeda quer ter melhores oportunidades para o seu futuro desportivo e pretende mesmo, assim que possível, representar Espanha em provas internacionais.
Ojeda participou em torneios internacionais na Europa, ©foto IJF
A dimensão ambiental
O tema mais badalado neste domínio foram as águas do Sena e as condições que aquelas ofereciam para atividades desportivas aquáticas.
Na realidade no plano ambiental o gesto simbólico de “despoluir o rio que atravessa lés a lés a cidade” tem que ser valorizado, pelo exemplo que representa e pelo desafio que coloca a capitais e cidades similares. Todos se aperceberam que a intervenção proposta “não eram favas contadas”, fica o sucesso, apesar de tudo, no campo das tecnologias de despoluição e permanece a devolução do rio aos parisienses em melhores condições. Já existem 20 cidades a inscrever o mesmo objetivo e as formas de futura utilização do Rio Sena por banhistas espontâneos já se encontram estabelecidas em 3 pontos fundamentais.
Quanto ao comportamento dos visitantes e de todos aqueles que estiveram envolvidos nos Jogos só podemos interrogar-nos sobre o facto de milhões de pessoas circularem na cidade e não se ver um papel ou uma garrafa de plástico no chão. Podemos admitir que a combinação entre a eficácia dos serviços de limpeza da Câmara de Paris e a consciência ambiental terá estado na base desta excelente performance ambiental. Já as consequências em termos de pegada ecológica, que serão necessariamente negativas, ainda será cedo para se apurar com rigor a eficácia das medidas de compensação previstas para reduzir o impacto sobretudo das deslocações em transporte aéreo para Paris.
A dimensão social
A interação social nos diversos espaços nos quais decorreram as atividades dos Jogos e sobretudo a presença de milhares de pessoas vindas de todo o mundo atribuíram a este acontecimento uma dimensão planetária que poderia cumprir a missão tão necessária de promoção do diálogo entre os povos.
Acontece que o quadro imposto pelas medidas de segurança e a ausência de uma linha convivialista na programação das diversas jornadas, que se limitaram às provas desportivas, enfraqueceram muito o potencial agregador do evento.
Observámos em cafés nos quais estavam e ser transmitidos jogos de râguebi de sete a dinâmica popular da festa e do prazer do desporto partilhados por grupos de adeptos com origem em países muito diversos. Esta festa entre humanos acabou por ser fraca e certamente que se perdeu uma oportunidade num momento tão crítico da vida coletiva no planeta.
Foto à direita © Rémi Gruber
A dimensão económica
Todos sabemos que os Jogos são uma grande operação de marketing e de venda de soluções das grandes multinacionais. As fronteiras entre negócios, desporto e espetáculo são muito ténues. O impacto nos territórios e na economia principalmente do país organizador é, no entanto, significativo, não só pelas infraestruturas como pelas receitas de turismo. Relembremos que o orçamento de Tóquio 2000 foi se 12,9 mil milhões de euros e que Paris deverá custar entre 4 a 5 mil milhões de euros. 96% das despesas serão da responsabilidade de entidades privadas.
Neste domínio, sempre complexo do apuramento de resultados, dentro de alguns meses será possível ter uma ideia mais clara sobre o conjunto dos dados que poderão dar lugar a análises e a projeções económicas e financeiras.
Mas uma coisa é certa o fantasma dos prejuízos para as cidades-organizadoras dos Jogos parece estar a desaparecer com a experiência de Paris que optou por utilizar instalações e equipamentos existentes ou de instalação efémera. Uma nova linha de orientação parece estar a surgir evitando a todo o custo os investimentos colossais em estádios e outros espaços indispensáveis para o acolhimento dos Jogos. Recorde-se que o estádio olímpico de Montreal custou mil milhões de euros e que a cidade levou décadas a pagar as suas dívidas relacionadas as Olimpíadas realizadas em 1976. Aliás não é por acaso que o número de candidaturas tem vindo a diminuir ao ponto de Los Angeles 2028 ter sido atribuído à cidade da Califórnia pelo COI sem qualquer alternativa ou concurso. Isto na senda de Paris que contou apenas com duas candidaturas para a organização dos Jogos.
A dimensão desportiva
Nesta vertente a primeira de todas as referências tem que ser aos 15 campeões olímpicos.
Individuais
Smetov [KAZ] -60 kg; Tsunoda [JAP] -48 kg.
Abe [JAP] -66 KG; Keldiyorova [UZB] -62 kg,
Heydarov [AZE] -73 kg; Degushi [CAN] – 57 kg.
Nagase [JAP] -81 kg; Leski [SLO] -63 kg.
Bekauri [GEO] -90 kg; Matic [CRO] -70 kg.
Kotsoiev [AZE] – 100 kg; BellandI [ITA] -78 KG.
Riner [FRA] +100 kg; Souza [BRA] +78 kg.
Equipas mistas
França
Os títulos e participações
O que surge como aspeto mais relevante nesta distribuição de títulos olímpicos é a diversidade de países cujos atletas conquistaram a medalha de ouro na prova individual. Excetuando o Azerbaijão e o Japão com dois títulos olímpicos os restantes 10 primeiros lugares correspondem a 10 países com fortes tradições na conquista do ouro em torneios e campeonatos internacionais.
Países como a Mongólia, a República da Coreia, Kosovo, Alemanha e Israel tiveram que se contentar com medalhas de prata e a presença de representantes de Espanha, Áustria, Suécia, Cazaquistão, Moldávia, Tajiquistão, Grécia, Bélgica, Uzbequistão, China e Portugal no pódio confirma essa tendência anti-hegemónica de alguns países na modalidade.
Registe-se a presença do México numa final [-63 kg] e a total ausência do Japão, até ao 7º lugar, nas categorias de peso de –52 kg e -63 kg. Por outro lado, importa sinalizar a presença de atletas franceses até ao 7º lugar em todas as categorias de peso com exceção de –81 kg. – 100 kg e –78 kg. De registar ainda a ausência da Grã- Bretanha e da Suiça até ao sétimo lugar e a presença esporádica dos Países Baixos e da Hungria.
Abe [Hifumi], Nagase [JAP] Bekauri [GEO] revalidaram os títulos olímpicos e no sentido inverso podemos assistir ao afastamento de Uta Abe antes dos quartos-de-final e de Nils Stump da Suiça, campeão do mundo em Doha, logo no primeiro combate contra Batzaya da Mongólia.
Nas equipas mistas a França revalidou o título olímpico, mais uma vez contra o Japão que não conseguiu dar seguimento à vitória obtida no Campeonato do Mundo de Abu Dhabi sobre os gauleses. O facto da vitória final da equipa tricolor ter sido através de desempate com um combate entre Riner e Saito, atribuiu ao título coletivo um valor acrescido em termos emocionais.
Mathias Casse, João Frrnando e Pedro Soares e Catarina Costa e João Neto depois dos combates que implicaram os respetivos afastamentos da fase seguinte da prova
Patrícia e Portugal
Portugal, com a medalha de Patrícia Sampaio em –78 kg, sai destes Jogos Olímpicos com missão cumprida no judo.
Todos os comentários sobre os afastamentos do caminho das medalhas de Catarina Costa, Bárbara Timo, João Fernando, Tais Pina, Jorge Fonseca e de Rochele Nunes tornam-se inúteis. São Jogos Olímpicos, a lógica de participação é diferente de todas as outras provas a nível internacional.
Patrícia Sampaio já disse tudo sobre a conquista desta medalha de bronze que como afirmámos, vale ouro para o judo nacional.
A nossa pequena intromissão nas emoções que o feito proporcionou aos portugueses é apenas no campo da cumplicidade entre pessoas da comunicação. Todos os dias nas áreas de trabalho que ocupámos nos espaços reservados à Imprensa-Comunicação Social na Arena Champ de Mars tínhamos ao lado do computador revistas Judo Magazine com a capa Patrícia Sampaio. Os jornalistas brasileiros, uma dúzia de repórteres, à nossa frente, fizeram perguntas sobre a publicação. Uma delas foi sobre o facto de utilizarmos modelos e artistas para divulgar o judo em Portugal atendendo à capa com a Patrícia, bem conhecida de todos. Depois da medalha de bronze conquistada pela atleta portuguesa vieram declarar de forma entusiástica “Nossa! Esta é a modelo que conquistou a medalha de bronze em –78 kg!” e nós rectificámos com um grande sorriso “Essa é a futura jornalista, que foi a Diretora de publicação desta Revista, que conquista medalhas e o coração dos portugueses!”.
Judo Magazine em Paris 2024