Telma e Ana
Juntas pela coragem e pelo apoio mútuo nas situações difíceis
Os acontecimentos que vão ocorrendo nos diversos episódios que marcam a vida do judo nacional pode ser relativizados, numa interpretação ponderada. É verdade que nem sempre o que se pensa no momento, a quente, corresponde a uma visão totalmente ajustada da realidade, nomeadamente sobre as causas e as consequências das situações em causa. Desta forma, as reinterpretações e os reposicionamentos podem adquirir uma certa legitimidade em nome da honestidade intelectual.
Telma Monteiro e Ana Hormigo
Mas há matéria sobre a qual não devem ser permitidas hesitações, segundas leituras ou reajustamento. Trata-se das questões de caráter, designadamente aquelas que remetem para a solidariedade e para a lealdade. Neste plano, Telma e Ana deixaram uma mensagem muito clara aquando da crise da Carta Aberta em 2022: os valores do judo são para levar à prática, nas situações concretas e não devem servir principalmente para as declarações de intenções ou para discursos de circunstância.
Quando o presidente e a direção da Federação daquele período [Sérgio Pina era então vice-presidente] ameaçaram os atletas signatários da Carta Aberta “os atletas que escreveram a carta aberta há uns meses, terão esta semana para se retratarem ou serão levados a tribunal”, apenas a Catarina Costa se retratou, os restantes atletas mantiveram-se firmes e Telma Monteiro não hesitou em denunciar publicamente esta escandalosa ameaça, certamente única no universo desportivo internacional. O silêncio dos então protagonistas centrais significou obviamente uma concordância e uma coresponsabilização pela indignidade da vergonhosa declaração de “levar atletas olímpicos do judo a tribunal”.
Quando Ana Hormigo, treinadora nacional, foi despedida da federação por e-mail Telma Monteiro veio a público e deu a cara por ela deixando-lhe uma mensagem: “Como atleta quero, de alguma forma, continuar a ter a tua presença nas competições e espero que as entidades responsáveis intervenham nesse sentido. Como amiga digo-te que fico feliz que não tenhas mais de lidar diretamente com essa instituição. Que sorte a tua!”.
Mais tarde, na audição parlamentar que teve lugar na Assembleia da República, Telma Monteiro foi destemida e clara sobre todas as matérias que estavam a afligir os atletas que pretendiam melhores condições para lutarem pelos seus objetivos, no caso em torno dos Jogos Olímpicos de Paris. A denúncia foi realizada com coragem e os deputadas reconheceram nesta atitude a Telma lutadora que fez dela a campeã que é.
Ler Judo Magazine
A solidariedade
Quanto Ana Hormigo, que remeteu para a justiça o seu despedimento realizado por razões de retaliação por ter assumido uma posição solidária com os atletas, contou mais uma vez com a solidariedade de Telma.
Posteriormente, depois de vencer a sua causa em tribunal, Ana Hormigo declarou em entrevista ao Judo Magazine “Não tiveram a coragem de me dizer cara-a-cara o que já tinham decidido a meu respeito. Isto diz muito do caráter das pessoas. Repito não estava só uma pessoa, estava a Direção completa”.
E sobre as questões de caráter também adiantou “Na reunião havida com a direção da FPJ, realizada por pressão dos atletas é um facto que a Equipa Técnica ficou calada perante tudo aquilo que foi dito. Depois assumi que não fazia parte do meu caráter manter silêncio face às afirmações que foram proferidas e tomei posição. Hoje estou satisfeita por o ter feito porque as coisas evoluíram e, para os atletas, houve claras melhorias e isso é o essencial”.
Ler Judo Magazine
O fim de um ciclo
Assim se constrói uma relação saudável entre duas figuras do judo nacional, Telma Monteiro e Ana Hormigo, que estão agora a despedir-se de uma outra, que consistiu na ligação comum ao S.L. Benfica. Telma declarou nas redes sociais “Colega de seleção, training partner para os Jogos Olímpicos, treinadora de seleção, treinadora de clube. Passámos por tudo. Mais de 20 anos dentro do tapete juntas. Foram muitos anos de memórias incríveis, muitas partilhas, companheirismo, resiliência e determinação, muitas risadas e muito choro também, tal como hoje. Obrigada por teres aceite o desafio que te foi proposto, há uns anos atrás, quando te juntaste a nós no @slbenfica. Hoje termina um ciclo junto de nós, dentro do tapete, mas na vida, que é o mais importante, esse ciclo continua e isso deixa-me mesmo muito feliz. Só posso expressar toda a minha admiração e respeito pela profissional, mas acima de tudo pela mulher que és”.
Ficam os exemplos de coragem e de solidariedade, ambas partilhadas por duas figuras incontornáveis do judo nacional no campo desportivo, pessoal e da cidadania ativa.