Arbitragem, quanto mais simples melhor
Falar de arbitragem com espírito construtivo e crítico porque é o judo que importa
ENTREVISTA | Eduardo Garcia – árbitro internacional
Recentemente foram anunciadas alterações nas regras de arbitragem no judo de competição. Fomos ao encontro de Eduardo Garcia para tentar perceber o que está em causa e, ao mesmo tempo, aprofundar o debate sobre a arbitragem propriamente dita.
Eduardo Garcia, árbitro internaciona
JUDO MAGAAZINE [JM] – Estão previstas alterações já em 2025. São mudanças positivas ou, antes pelo contrário, são novas regras que complicam em vez de simplificar?
EDUARDO GARCIA [EG] – As regras que foram divulgadas vão num sentido que parece ser correto já que estão associadas à ideia de mobilizar mais técnicas do judo nos combates, e isso é positivo. Tem havido uma opção de limitar as técnicas aplicáveis em competição às que são executadas, com os braços ou com as mãos, do umbigo para baixo. Ora o judo dispõe de várias técnicas que podem ser utilizadas pelos competidores enriquecendo o seu arsenal competitivo. A delimitação nos usos deve cingir-se à defesa da integridade física dos competidores. Fora essa preocupação central todas as técnicas deveriam ser permitidas.
JM – A arbitragem tem vindo a condicionar o judo dentro de limites estéticos e pedagógicos, tendo em vista as transmissões televisivas ou o livestream. No fundo procura-se que as regras de jogo sejam compreendidas por todos.
EG – Pois essa é uma das abordagens que reduz imenso o potencial do judo como desporto de combate. É preciso assumir que o judo é uma modalidade complexa e que a sua simplificação, para poder ser interpretado pelo grande público, não a favorece. Outras modalidades, veja-se o râguebi, tem regras complicadas e esse fator não impede que seja seguido por multidões.
Ou seja, a simplificação deveria ir no sentido de existirem quatro ou cinco regras fundamentais e deixar os atletas praticarem o judo que melhor entenderem. Por exemplo os castigos, como eles são aplicados atualmente, favorecem competidores taticistas, que jogam com as regras de arbitragem para vencer combates “na secretaria”. Ora a essência do judo está na procura do ippon, em pé, no chão e com a convicção que é para esse objetivo que os atletas participam em combates. Só muito excecionalmente um competidor que marca wazari deveria ser penalizado com castigos ao ponto de poder perder o combate. Se depois de pontuar se remete a uma posição mais defensiva será normal. Ele já fez o que tinha a fazer, projetar o outro. Deve ser o adversário a inverter a situação e a contrariar a seu favor a postura mais defensiva de quem já marcou.
JM – A acumulação de shidos parece ser uma dinâmica normalizada e quase obrigatória. Um árbitro que hesita em atribuir shidos é interpretado como um juiz permissivo, será assim?
EG – Na minha opinião deve existir um castigo – shido – para o árbitro avisar seriamente o atleta que está a infringir regras de segurança e ou de lealdade no combate. Caso o atleta persista na mesma linha de atuação deve ser excluído com um segundo castigo e ser dada vitória ao seu adversário com um ippon técnico. Assim é valorizado o empenho do atleta que procura o ippon e não é destacada a lógica punitiva que emerge da acumulação de penalizações. Por exemplo não tem sentido existir uma penalização pela saída da área de combate. No passado, como pudemos observar em Tóquio1964, não havia área de segurança e os riscos relacionados com a integridade física dos competidores existam. Predominava então a logística do Sumo. Agora já não é o caso. Se os atletas excederem em muito os limites do tapete o árbitro pode sempre anunciar matte.
Tudo pode ser mais simples. Depende o que se quer. Se queremos judo e ippons as regras têm que ser simplificadas e deixar o judo correr como os atletas desejam. Moldar o judo de cada atleta pelas regras, tem a ver com outros objetivos que valeria a pena questionar.
JM – Mas estamos no início de um ciclo olímpico, justifica-se a adaptação de regras tendo em conta a experiência anterior.
EG – Não se justifica minimamente. As regras de arbitragem deveriam ser ajustadas de 16 em 16 anos, no mínimo 3 ciclos olímpicos. Há modalidades, como o futebol, cujas regras não mudam há dezenas de anos. São feitas pequenas alterações, de importância secundária, mas o essencial mantém-se. Devíamos fazer o mesmo.
JM – No fundo também estamos à procura de um judo atrativo, mas que contemple a sua essência sem a coatar por meros objetivos comerciais?
EG – Sim. Podemos tomar medidas para reforçar esse sentido mais espetacular com intensidade competitiva. Por exemplo podemos alterar o esquema instituída das provas. Introduzir conceitos como Primeira e Segunda Divisão não é descabido. A nível internacional podemos imaginar, como no futebol, a existência de uma Champions. Não são os nomes que importam, mas antes a lógica de atractividade do judo que pode passar por soluções desse tipo. São soluções a estudar.
Entrevista conduzida por Carlos Ribeiro – JM em Odivelas
Editado 7/dez, 16h30 acertos de escrita e pontuação.