GRANDE ENTREVISTA JM – O Judo Clube de Portugal renova-se para conciliar os tempos gloriosos da sua história com o futuro (1)

No âmbito do projeto do Judo Magazine GRANDES ENTREVISTAS, no qual se procura dar voz aos protagonistas históricos e fundamentais do judo nacional, fomos ao encontro de uma das referências centrais da modalidade, no caso uma entidade coletiva, o Judo Clube de Portugal.

Conversámos com dois dirigentes, o Presidente da Direção Luís Figueiredo, o tesoureiro Hugo Paula e ainda com o treinador Tiago Silva. Visitámos as instalações e remexemos nas fotografias e nas peças do arquivo histórico com a cumplicidade dos anfitriões que estiveram sempre disponíveis e interessados em fazer da nossa conversa uma reflexão a quente sobre o que aconteceu desde janeiro do ano corrente, ocasião do arranque da aventura dos novos Corpos Sociais do clube que foram eleitos para um novo mandato.

foto © Trovão Studio | Mafalda Ezequiel e Tiago Silva

As origens 

“Em 1955 chegam a Portugal os mestres Henri Bouchend ´Homme e Anthony Stryker, começam a leccionar Judo, e do contacto entre os alunos dos dois mestres surge a ideia de formar um clube de Judo, ideia esta que se materializou na criação do Judo Clube de Portugal (12 Julho 1957). 

A identidade 

“O emblema tem a forma de flor de cerejeira, branca com as pétalas contornadas a dourado, contendo no espaço interior as iniciais do JUDO CLUBE DE PORTUGAL também em dourado sobre círculo negro”. 

As responsabilidades 

“Dos trabalhos da Comissão Organizadora nasceu, em 28 de Outubro de 1959, a Federação Portuguesa de Judo, sendo as funções federativas entregues, nesta fase inicial, ao Judo Clube de Portugal, que é o sócio fundador da F.P.J.”. 

As pessoas 

“É quase impossível realizar uma lista de todos aqueles e aquelas que fizeram ou ainda fazem parte do projeto Judo Clube de Portugal. Há, no entanto, nomes inconformáveis como Edmundo Sousa Pires, sócio nº 1 do JCP, Kiyoshi Kobayashi, referência fundamental do clube e do judo nacional, Risei Kano, Y.Matsumoto, I.Abe que visitaram o clube em 27/6/1973, José Pinto Farias que foi Campeão Nacional Absoluto em 1964 e continua a praticar a modalidade com mais de 90 anos” 

O lema [imaginado JM]

“Apesar da tradição nós queremos ser um clube inovador!” 

O clube 

Rua Dom Carlos Mascarenhas, 36, A, Lisboa, Portugal 

  • Corpos Sociais  
  • MESA ASSEMBLEIA GERAL 
  • Presidente – Fernando Pereira Soares Seabra 
  • 1° secretário – António Joaquim Mingodes Cunha 
  • 2° Secretário – Nuno Manuel Cassiano Vieira 
  • DIRECÇÃO  
  • Presidente – Luis Filipe dos Santos Figueiredo 
  • Vice- Presidente – Paulo Alexandre Frade Jara Ribeiro 
  • Tesoureiro – Hugo Lourenço de Almeida Paula 
  • Vogal – António Azeredo Pontes Silveira se Azevedo 
  • Vogal – António Miguel Peres Correia 
  • CONSELHO FISCAL 
  • Presidente- Nuno Miguel Lima.dos Reis Araújo 

Judo Clube de Portugal, Campolide – Lisboa

Dezembro, 2023

Deve ter acontecido a muitos de nós, no passado, ir visitar os avós e levar uma intenção de ouvir histórias do antigamente, daquelas que só os nossos anciãos têm para contar. Somos muitas vezes surpreendidos pela insistente e persistente vontade daqueles que queríamos escutar a pormenorizar acontecimentos de outros tempos relatarem com entusiasmo e minúcia a última viagem que realizaram e a pretender que nos associássemos à aventura da próxima, que por sinal, está por dias. 

Luís Figueiredo, Presidente da Direção do JCP

Esta situação, de regresso a casa de bolsos vazios em matéria de memórias e de histórias contadas na primeira pessoa, leva-nos a ponderar a nossa visão preconcebida da dinâmica que está instalada naqueles que colocamos muitas vezes na gaveta do passado quando eles estão focados principalmente no presente e até no futuro. 

Esta sensação de avaliação desajustada da realidade fomos vivê-la no Judo Clube de Portugal, o clube que colocámos por direito próprio, como uma personagem obrigatória, no lote das Grandes Entrevistas do Judo Magazine. 

A narrativa da constituição, as responsabilidades assumidas como polo organizador da modalidade, o acolhimento a Kiyoshi Kobayashi e o funcionamento dos diversos períodos nos quais os treinadores históricos e de referência lideraram os processos de organização, treino e formação, estes e outros temas constavam do nosso “Caderno de Encargos”. 

Juntar em vez de dividir

Rapidamente as intenções memorialistas confirmaram-se exatamente como meras intenções. A sala de convívio onde fomos recebidos, um espaço de encontro, de café, de conversa, de acolhimento informal surgia como um cenário ideal para a mensagem que iria percorrer toda a jornada de partilha e de autoavaliação: o Judo Clube de Portugal reconquistou a sua dignidade e colocou-se nos trilhos de um futuro que já está a acontecer. E a sala de acolhimento, totalmente remodelada, com fruta, sumos, bolachas, chá, café e tantas outras coisas colocadas à disposição era um sinal inequívoco de uma mudança. Ali são todos bem-vindos, atletas, treinadores, familiares, amigos, ex-sócios do clube, ex-atletas, amigos do JCP, enfim uma mensagem clara que o clube que já foi de todos, no coração, na experiência, na representação nacional, na elite olímpica, volta a sê-lo, respeitando as diferenças nos projetos dos outros clubes, mas querendo juntar em vez de dividir. 

Para chegar a esta nova situação foi necessário juntar um grupo de sócios com grande desprendimento e com uma vontade real de recuperar o prestígio do Judo Clube de Portugal. 

“Foi necessário acabar com algumas quintas e introduzir sangue novo nas estruturas do clube. E começámos por coisas simples como a remodelação deste espaço de entrada que estava ao abandono.” adiantou-nos o atual Presidente da Direção, Luís Figueiredo que foi o agregador desta nova equipa que está a relançar o clube fundador da modalidade, se entendermos fundação num plano outro que cronológico. 

Em fevereiro passado esta nova equipa pegou nas rédeas do clube, iniciou a recuperação financeira e remodelou as instalações, tendo ainda por aposta relançar ações de formação e preparar jovens para os desafios da competição.  

Hugo Paula, tesoureiro, membro da Direção do JCP

Um grupo de trabalho voluntário 

Apesar do núcleo dinamizador das mudanças que estão a ocorrer ser constituído por voluntários foi realizado um grande esforço para que todos aqueles que trabalham no clube sejam remunerados. Trata-se de uma opção estruturante por parte da atual Direção do clube que, a par de um ambiente informal e de excelente relação entre todos aqueles que o frequentam, pretende que exista uma atuação profissional por parte dos técnicos e dos trabalhadores. 

“O que estamos a fazer é devolver ao clube tudo aquilo que ele nos deu ou proporcionou. Estamos a retribuir.  Há uma ligação muito forte e tudo aquilo que fazemos vem dessa base que já tem 40 anos de relacionamento ou mais” referiu Hugo Paula, um dos elementos desta equipa que tem a responsabilidade, entre outras, de cuidar da saúde financeira do JCP. 

Passar pelo JCP 

É difícil encontrar treinadores que estejam no ativo e mesmo atletas com idades mais avançadas que não tenham passado ou sido formados no Judo Clube de Portugal. Os históricos do judo nacional passaram todos por aqui. Tiago Silva, treinador do clube, coloca a questão em termos categóricos “A nossa responsabilidade é projetar de novo este clube para aquilo que ele merece. E cada jovem atleta quando veste o judogi com o emblema do JCP deve sentir o peso desta dimensão histórica do clube que representam”.  Existe assim consenso sobre a importância que tem a mobilização do capital simbólico e histórico do clube para alavancar um projeto ambicioso de relançar o JCP para o patamar de relevância no qual ele deve estar por direito próprio. 

A rampa 

Hugo Paula recupera na memória dos lugares as emoções vividas na rampa de acesso ao tapete, uma inclinação do solo que marca as instalações do clube de Campolide que vai da área de entrada até um patamar intermédio que antecede a ampla área de treino e de aprendizagem “Quando éramos miúdos e começávamos a descer sabíamos que íamos encontrar os amigos que tinham chegado mais cedo. Havia sempre coisas para contar. Muitos de nós ainda levavam o cinto por apertar, a pressa era muita de chegar. Na verdade, era um momento de reencontro que tinha um valor muito especial para todos nós. E o clube é isto. São momentos que partilhámos com os outros independentemente das competições, das medalhas ou de outras situações muito significativas”. 

Multiculturalidade

Várias nacionalidades coabitam nos diversos espaços do clube. O JCP é um clube multicultural. Há pelo menos sete origens geográficas e um número idêntico de línguas que estão presentes no tapete e nos espaços de sociabilidade e de apoio à prática do judo. Curiosa é a situação de ser um ucraniano a traduzir para um russo as indicações ou orientações técnicas realizadas em português. Assim o judo assume-se também como um quadro de relação que proporciona a integração de setores imigrantes da população e dá sinais concretos da importância e da necessidade de vivermos em paz “Queremos formar pessoas de bem aqui” salientou Luís Figueiredo. 

Aqui as estrelas são os atletas 

Hugo Paula insistiu numa vertente particularmente relevante no sistema de inovação que foi instalado que se prende com o organigrama do clube e com o seu funcionamento “A estrutura organizativa que o clube adotou baseia-se num princípio essencial: toda a atividade é realizada a pensar nos atletas. As áreas especializadas como a psicologia, o nutricionismo, a preparação física e as restantes têm esse foco. Por sua vez os departamentos de Marketing, Técnico, Financeiro, Relações institucionais, que funcionam com grande autonomia, articulam as suas atividades para também assegurar essa visão estratégica do funcionamento. Assim, existe uma coordenação e funcionamos em equipa. As nossas competências na Direção são muito diversas atendendo à sua composição que assenta em pessoas com formações muito distintas como a gestão, a medicina, a carreira militar entre outras. Somos por isso uma equipa multidisciplinar, e essa característica surge claramente como uma vantagem. Mas o mais importante é mesmo funcionarmos como um coletivo que tem uma vontade e objetivos comuns”. 

As pequenas diferenças que acabam por ser grandes 

Existem duas áreas que são claramente distintivas e que são uma marca do Judo Clube de Portugal. São por um lado a realização regular do kangeikio [treino de inverno] e as aulas às 7:00 da manhã [duas vezes por semana] que acolhem praticamente só cintos negros, praticantes que apresentam de uma forma geral idades avançadas. 

Luís Figueiredo reafirmou o significado destas ações “Nestas duas práticas destaca-se a intenção de manter bem vivo o espírito do judo, a tradição e uma ligação às raízes que são estruturantes da identidade do Judo Clube de Portugal” e Tiago Silva arriscou uma comparação que acaba por ter todo o sentido se a relativizarmos no tempo e no modo “Hoje está no terreno um projeto ambicioso que procura ser inovador, em todos os domínios da modalidade, da formação à competição, mas procuramos inovar respeitando as tradições e transmitindo de geração para geração as experiencias do clube [o JCP, com as devidas distâncias, surge como a escola histórica do judo em Portugal, no fundo um pequeno Kodokan]. 

GRANDE ENTREVISTA (1) |

Fotos JM + cedidas pelo JCP

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