Fomos os primeiros a falar e a executar uma estratégia de regionalização

ENTREVISTA A HÉLDER PONTES | JUDO MAGAZINE (PARTE 1)

Fomos ao encontro de Hélder Pontes empurrados pela curiosidade que as sucessivas referências aos Núcleos da DGD-Direção Geral dos Desportos suscitaram aquando das entrevistas que anteriormente realizámos aos protagonistas históricos do judo nacional. Para além do impacto no crescimento do judo no território continental e insular admitia-se que a abordagem ao tema fizesse vir ao de cima novos elementos sobre as estratégias de apoio ao desenvolvimento da modalidade. Uma coisa era certa antecipávamos uma conversa sobre um sentido impulsionador e voluntarista das políticas públicas para o desporto o que nos agradava e nos motivava para este encontro singular.

Hélder Pontes em entrevista ao Judo Magazine

Foi num ambiente informal e até popular que conversámos. Um café com televisão particularmente ativa e grupos de conversadores empolgados que contrastavam com a serenidade do nosso interlocutor. Não foi difícil começar. Ambos sabíamos ao que vínhamos. E mais uma vez descartámos a estrutura e o guião da entrevista e navegámos pelos diversos temas, em tom de conversa e de partilha de opiniões.

Políticas desportivas do país

“O que se vai perdendo na prática desportiva é a importância excessiva que é dada às medalhas. Em vez de se preocuparem com as crianças, com os mais jovens e incentivarem as populações a praticarem desporto, apostam em medalhas internacionais com clubes que muitas vezes não têm quaisquer condições para se envolverem em projetos desse nível” Hélder Pontes atacou a talho de foice o tema do desenvolvimento desportivo na base do desporto para todos e relembrou que o foco no seu tempo eram os atletas mais jovens e o incentivo à prática desportiva.

“O desporto deve ter por base a participação e a cooperação. Houve um período no qual estes objetivos eram centrais, mas agora há, não só um esquecimento sobre ele, mas também o desejo de apagar essa fase determinante do desenvolvimento desportivo do país” adiantou com um sentido crítico, de alguma forma reivindicando que justiça seja feita sobre os tempos iniciais da promoção alargada do desporto no país.

Como é que tudo começou?

“Estive em liceus, no Machado de Castro e no de Oeiras, nos quais alguns professores eram exemplares na promoção do desporto em contexto escolar. Depois fui para o INEF e acabei o curso de Educação Física em 1965. De seguida fui para a guerra. Quando regressei fui para o liceu Camões e dei início à minha carreira.

Depois concorri para a Direção Geral dos Desportos para a chamada Educação Desportiva Escolar. Começámos por fazer um levantamento das Necessidades a nível nacional e procurámos obter informações sobre os equipamentos que eram indispensáveis para a prática desportiva. Foi sobretudo para as modalidades coletivas como o andebol, basquetebol, futebol e outras que foram identificados materiais que eram necessários, quer para os espaços interiores, quer para os então denominados “ringues” que se transformariam mais tarde. em “polidesportivos”.

Nas chamadas zonas de província havia muito pouco. Foram criados Grupos de Trabalho no quadro do Plano Nacional de Desenvolvimento. Um deles era um grupo de estudos. Numa fase posterior o desporto foi integrado nas Direções Gerais Pedagógicas como a do Ensino Básico, do Ensino Secundário e do Ensino Superior” relatou o nosso interlocutor antes ainda de associar o seu percursos ao judo, modalidade que começou a praticar muito jovem.

Hélder Pontes, técnico da DGD com fortes ligações ao judo

A importância do INEF

“Nessa altura fui direcionado para a Divisão do desporto escolar. Como tinha experiência concreta com o judo passei a fazer a ligação com a federação. Era o técnico charneira entre a DGD e a FPJ. Trabalhava na altura com o José Branco, o Costa Matos e o Pedreira. Eles eram do INEF e asseguraram a concretização das diretrizes do Plano Nacional no judo.

Eram todos licenciados em Educação Física. O Pedreira era mais antigo que o Costa Matos e fez várias presidências da federação. Foi dos primeiros técnicos. O Costa Matos terá saído do INEF em 1962/1963 eu entrei em 1962.

Uma ponte entre a teoria e prática

“O judo vivia muito de pessoas com dedicação, mas com pouca formação. Faziam o que viam aqui ou no estrangeiro. Tinham contactos aqui em Espanha , na Bélgica, em França, países aqui à volta.  Depois começaram a sair formados no INEF que posteriormente foi denominado ISEF. Naquela altura havia uma forte ligação entre o INEF, os clubes e a prática desportiva. Havia uma ponte entre a teoria e a prática. Mas progressivamente os estudantes do ISEF começaram a adquirir um perfil principalmente teórico. Pessoas como o Carlos Neto ficaram e estavam ligados a algumas instituições, mas no geral não era assim.

Na coordenação do Plano do desporto estive com o Fernando Valadas que está agora em Setubal. Uma pessoa que começou a praticar judo antes da chegada de Kiyoshi Kobayashi que, por sua vez, chegou a Portugal em 1959. Houve uma “regionalização” das atividades do Plano Nacional e ele deixou a Coordenação do Plano e foi para uma região coordenar as várias modalidades. Entretanto tendo em conta as necessidades identificadas de equipamentos, foram desenvolvidas iniciativas para apetrechar as escolas e os clubes com materiais adequados” recordou Hélder Pontes.

Uma base documental trabalhada pelos técnicos da DGD

Um método prático

“Os técnicos da DGD tratavam diretamente com os produtores/fornecedores de materiais e forneciam as indicações técnicas para a sua produção. Quando não tinham indicações sobre empresas dirigiam-se às Câmara Municipais e obtinham pistas sobre quem localmente poderia produzir este ou aquele equipamento que era necessário. Foram desenvolvidos modelos específicos de barras paralelas para ginástica e produzidos tapetes de judo a partir das indicações técnicas que nós fornecíamos”.

Uma coisa era certa existiam orientações rigorosas e indicações bem precisas sobre o tipo de material desportivo que deveria ser usado nas escolas e nos restantes espaços apoiados pela DGD e pelo Plano Nacional do desporto. Assim, com o recrutamento de técnicos nas regiões foi possível avançar com vários Núcleos em todo o país. Foram surgindo resistências sobretudo da parte dos treinadores de clubes que viam com maus olhos o surgimento de “uma concorrência” no seu território. Alguns consideravam que a dinamização da modalidade por parte de praticantes que tinham pouca experiência nas regiões ia desqualifica-la junto dos seus potenciais públicos. E foi nessa fase que, contra ventos e marés, o judo começou a crescer de forma exponencial nas diversas regiões do país.

PARTE 1 da ENTREVISTA | Continua | Fotos © Judo Magazine

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