INSTITUIÇÕES | Excluídos dos Jogos Olímpicos antes de termos entrado
JUDO Magazine | 9 de novembro 2020 | Instituições | Entrevista
Nuno Dias candidata-se à Presidência da Direção da Federação Nacional Karaté Portugal. As iniciativas de alternativa às lideranças instaladas nos sistemas de poder são sempre momentos de reflexão e de formulação de propostas que enriquecem o debate público. Foi a sistematização do diagnóstico e das bases programáticas delineadas para uma nova liderança da Federação que justificou esta conversa que trouxe a lume algumas curiosidades como o caso da presença do karaté nos Jogos Olímpicos.
A propósito de artes marciais, desportos de combate e de práticas desportivas de recreação e lazer Nuno Dias move-se no terreno da diversidade. Alguns, mais convencionais, consideram que o foco e a especialização numa das abordagens disciplinares é determinante para a consistência e a qualidade. Outros preconizam uma relação mais errática e mais experimentalista advogando um enriquecimento das práticas através de sínteses criativas das melhores referências obtidas em cada disciplina experimentada.
Nuno Dias, o polivalente
Nuno Dias é um homem do karaté. Aliás a sua candidatura à Presidência da Federação Nacional da modalidade é coerente com esta relação estrutural. Só que, o atleta que possui elevada notoriedade no plano competitivo e formativo junto dos seus pares, não preconiza um karaté à porta fechada, Antes pelo contrário. O seu cinto negro de judo e a sua especialização em Jiu- Jitsu abrem-lhe perspetivas adicionais das quais ele não prescinde. A estratégia que preconiza para o desenvolvimento da estrutura federativa do karaté nacional emerge precisamente das lições que vai tirando com as ligações práticas a outras modalidades.
Uma abordagem holística dos diversos campos de ação da Federação Nacional Karaté Portugal, eis a proposta que irá submeter à apreciação dos associados no próximo ato eleitoral.
As projeções de Garcia
A sua participação no Torneio de Paris de karaté, uma prova equivalente ao Grand Slam no judo, levou-o a um contacto direto com Eduardo Garcia, reputado treinador e formador do judo nacional, com quem quis aprender novas técnicas relacionadas com projeções. Desta relação de aprendizagem circunstancial resultou inesperadamente uma progressão nas diversas graduações da arte de Kano ao ponto de ter dado aulas e adquirido o 1º DAN.
O ecletismo está por isso bem enraizado na experiência de Nuno Dias que nos adiantou a sua avaliação sobre o estado da arte do karaté nacional nos seguintes termos “o karaté tem condições para ter mais de 20000 atletas federados e se tivermos em conta que as associações promotoras de um karaté mais tradicional não inscrevem os seus atletas porque a competição não está nos seus horizontes, então podemos admitir que se todos inscrevessem os seus alunos, teríamos entre 50 a 60.000 federados”.
Fazer, envolvendo as associações de estilos
Este ponto das práticas diferenciadas, que no universo karateca se denominam ESTILOS, constitui um dos fatores de maior dificuldade em uniformizar iniciativas e processos competitivos que sejam consensuais “A WKF conseguiu a nível internacional definir uma base competitiva comum que viabilizou a aceitação por parte do Comité Olímpico Internacional da inscrição da modalidade estando a participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio assegurada”. E prosseguiu “Mas em cada país, no concreto, a questão dos estilos não é simples e o futuro quadro de desenvolvimento do karaté nacional vai ter que remediar o fato do número de competidores estarem a diminuir e das artes mais tradicionais terem que ter mais apoio, sobretudo em formação”. Nuno Dias recorda que a participação nas provas e nas atividades da Federação constitui matéria de controvérsia já que os atletas pagam tudo do seu bolso “ os competidores pagam as suas deslocações, refeições, alojamento quando vão a provas do calendário nacional. Atualmente a Federação já consegue que as verbas relacionadas com as inscrições em provas internacionais, por exemplo, sejam suportadas pela própria, mas o resto é o atleta que paga”. Nuno Dias concretizou ainda o tema da capacidade competitiva dos atletas
“Esta questão das participações em torneios internacionais e da relação com equipas de outros países é crucial para as seleções e para os competidores“.
“A Federação organiza estágios, mas infelizmente convoca um número exagerado de atletas e os processos não são eficazes nem eficientes. O planeamento existe, mas a implementação está recheada de equívocos e os resultados são fracos.”
Uma base programática
O candidato ao cargo diretivo máximo da Federação aponta três domínios para os quais admite poder dar um contributo decisivo, com a sua equipa, no sentido de uma mudança profunda na organização e na dinâmica da modalidade:
- uma abordagem holística de todas as variáveis do quadro de intervenção da Federação.
- Nesse plano a abordagem territorial descentralizada e o karaté nas escolas podem constituir-se como pontos centrais.
- Outros temas como o karaté senior e o envolvimento das cerca de 100 associações de estilos em iniciativas formativas, que as torne mais fortes nas suas especificidades e as mobilize para a plataforma convergente que é o Karaté tout court (independentemente dos estilos).
- uma forte dinamização da comunicação- marketing que crie uma referência única para o grande público em torno da denominação karaté, sem especificar este ou aquele estilo.
- A divulgação junto das autarquias, das escolas , das associações deve ser para promover o karaté, ponto final.
- uma retoma de contacto com todos aqueles que já tiveram ligações ao karaté
- para recuperar as suas energias para um trabalho conjunto que pode ser desenvolvido a muitas mãos, com mais delegação de funções e mais descentralização territorial.
Jogos Olímpicos
Para finalizar Nuno Dias fez questão de introduzir uma nota quase humorística que se relaciona com a relação do karaté com os Jogos Olímpicos.
O karateca quis sinalizar que a modalidade antes ainda de realizar a presença de demonstração em Tóquio já sabe que não estará em Paris em 2024.
Os organizadores gauleses já indicaram que outras modalidades experimentais, como é o caso de breakdance, serão chamadas a participar para introduzir nos Jogos uma onda de juventude e de modernização, e por essa via o karaté será necessariamente excluído.
Ser excluído antes de entrar aqui está uma relação imprevisível entre os Jogos Olímpicos e as autodenominadas ciências paranormais.
Segundo Nuno Dias a este jogo de empurra não é alheio o fato de patrocinadores globais como a Red Bull terem ligações diretas com modalidades como o surf e com marcas de streetware, o que justificará de alguma forma as opções dos organizadores parisienses.
Fotos © Nuno Dias